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A arte dos videogames

Em 1972, dois engenheiros de computação foram a um bar que costumavam frequentar na Califórnia. Traziam com eles um rudimentar jogo de tênis eletrônico que desenvolviam. O jogo consistia de um televisor Hitachi preto e branco, placas de circuito impresso e dois controladores do tipo “paddle” e era preciso pagar US$ 0,25 para jogá-lo. O estranho aparelho foi instalado num canto do bar, ao lado da vitrola automática e de uma mesa de pinball. Dias depois, voltaram para ver como andava a máquina e descobriram que ela havia parado de funcionar. Examinando melhor, a origem da falha ficou evidente: a máquina estava entupida de moedinhas.

Tomb Raider
Tomb Raider, de 1996, presente em mostra no Smithsonian American Art Museum: alguns designers e críticos de jogos já falam do surgimento de “videogames de arte”

O jogo era Pong e se tornaria o primeiro sucesso comercial de sua criadora, a recém-fundada Atari. Pong acabaria sendo também reconhecido como pai de um novo ecossistema de entretenimento. Passados 40 anos, a indústria de videogames é uma operação mundial que faturou US$ 74 bilhões no ano passado, superando a indústria cinematográfica.

Mas é uma história distinta, da perspectiva de prestígio cultural. Os videogames são com frequência relegados à insignificância, considerados brinquedos, território reservado de crianças e adultos, em especial do sexo masculino e do tipo nerd. Embora outras inovações populares tenham conquistado algum tipo de respeito da crítica habitualmente concedido a formas mais consagradas – alguém, hoje, considerará o cinema inferior ao teatro? -, os “games” fizeram pouco progresso.

Isso irrita muitos no setor. Alegam que os avanços tecnológicos permitem que os jogos se tornem mais sofisticados, com abrangência narrativa comparável à de filmes, ambientações ricas, detalhadas, trilhas sonoras dedicadas e um elenco de atores emprestando voz, desempenho e movimentos capturados tecnologicamente. Há sinais de que o establishment artístico começou a tomar conhecimento. Em Washington, o Smithsonian American Art Museum realiza uma mostra que explora a história dos videogames “como meio artístico”. A Academia Britânica de Cinema e Televisão distribui premiações aos jogos, assim como o Festival de Cinema de Tribeca, de Nova York. Até o venerável Louvre anunciou recentemente uma parceria com a Nintendo. Terá chegado a hora de levar os jogos mais a sério?

Certamente, as coisas mudaram nas últimas quatro décadas – incluindo o perfil dos jogadores. Eles têm idade média de 37 anos e o maior grupo que joga na internet é de mulheres com mais de 35. Esse amadurecimento demográfico, dizem alguns, traz um amadurecimento de conteúdo e de diversidade aos jogos. Neste ano, a Thatgamecompany lançou o Journey, um jogo para o Play Station 3 que põe o jogador numa paisagem desértica etérea, despojada de muitos dos elementos habituais: não há tiroteios, não há marcação de pontos, só símbolos de runas e comunicação por meio de uma linguagem tonal esotérica. O resultado é inusitado: o jogo tem um tom lamentoso, é enigmático e estranhamente belo.

Kellee Santiago, cofundador da Thatgamecompany, diz que seu grupo tinha a intenção de desafiar o status quo justamente enfatizando o experimental e o emocional. “Hoje, os gêneros são divididos em conjuntos de recursos, como se fossem produtos de software. Assim, temos a mecânica dos jogos representada por seus gêneros – esportes, corrida, tiro -, em oposição aos gêneros que refletem os tipos de emoções ou experiências que expressam, como nos filmes. Esse é um importante componente que está faltando no diálogo em torno de jogos quando os encararmos como arte.”

Journey desafiou as expectativas dos jogadores, ao subverter alegorias familiares, mas outros desenvolvedores levam os temas para áreas mais surpreendentes. A Molleindustria produz jogos satíricos que desafiam tanto a consciência do jogador quanto suas habilidades de jogar. No provocativamente intitulado McDonald’s Videogame, o jogador assume o comando de vários níveis de uma empresa de fast-food – fazenda, pontos de venda, sede empresarial- e vê-se em situações que exigem decisões cruciais sobre fatores como saúde, segurança e venda dos alimentos. Atipicamente, para um jogo, a experiência é desafiadora, bem como viciante – exatamente como os produtos de uma lanchonete fast-food.

Paolo Pedercini, fundador da Molleindustria, acredita que esse tipo de jogo é essencial para o desenvolvimento dessa forma. “Se um meio não é capaz de tratar de questões atuais, não é um meio maduro”, afirma. “Agora estamos vendo uma expansão da abrangência dos jogos para usos distintos de entretenimento. Esse é um sinal de que [os jogos] estão se tornando um meio e não um brinquedo eletrônico. Isso é animador.”

Parte da razão para isso é que a distribuição digital reduziu custos, permitindo que os desenvolvedores de menor porte encontrem uma voz onde grandes estúdios de jogos antes dominavam. “Há muitas pequenas empresas independentes que estão ganhando dinheiro com jogos muito estranhos ou experimentais que nunca seriam aceitos pelos produtores de grandes estúdios”, diz Pedercini. “É o caso de Journey, jogo bastante ousado e inovador, e Dear Esther, que foi um grande sucesso, apesar de poder-se até argumentar não se tratar de um jogo.” Pesado em atmosfera, mas leve em interatividade, o sombrio Dear Esther faz que o jogador vague por uma desolada ilha Hebridian tentando recompor uma narrativa fragmentada. O surgimento desse tipo de jogo levou alguns designers e críticos de jogos a falar do surgimento de “videogames de arte”.

Para profissionais empenhados em aparecer, em outros setores criativos, sucesso comercial aliado a liberdade criativa poderia parecer uma situação ideal. Então, por que a necessidade de conquistar o reconhecimento de círculos culturais respeitados?

Pedercini detecta um complexo de inferioridade inato. “Os videogames sempre foram, até certo ponto, ‘sacos de pancadas’ [dos críticos], e por isso toda vez que surge um mínimo de reconhecimento ou validação da alta cultura há um grande entusiasmo na comunidade dos games”, diz. “Eles sempre foram considerados um pouco infantis, imaturos e menos nobres. Na verdade, eles são, em larga medida, imaturos. Mas isso não significa não haver potencial ou possibilidade de evolução.”

Estranhamente, os jogos poderão ser vítimas de seu sucesso. Miltos Manetas, artista que incorpora videogames a seu trabalho, sugere que a própria “facilidade de jogar os jogos” conta muitos pontos contra eles. “Quando você olha para um Miró, sente que não é de fácil assimilação, ele só apresenta três contornos coloridos e não quer tolerar sua ignorância e lhe dizer o que essas três figuras efetivamente significam. Ele não lhe dá o que você julgou estar buscando. Mas entretenimento lhe proporciona o que você estava procurando. Arte, porém, lhe dá algo que você não estava pedindo, algo, possivelmente, que até mesmo o criador da arte não estava pedindo.”

Para Chris Melissinos, curador de “The Art of Video Games”, no Smithsonian, que traça a história e evolução do meio, o que faltava, até recentemente, era uma voz adequada. “Começamos a brincar/jogar quando somos crianças – e nunca realmente paramos. Sempre soubemos que os videogames eram maiores ou significavam mais do que o que poderíamos descrever. Simplesmente não tínhamos o vocabulário maduro para descrever o que é que estávamos sentindo.”

Melissinos diz que a oportunidade de colocar jogos em um ambiente augusto como o Smithsonian é a maneira ideal de alcançar públicos não habituados aos videogames. “Em geral, as pessoas [que visitam a exposição] dizem: ‘Eu não tinha ideia de que os videogames eram tão envolventes, tão provocantes, tão emocionantes’. Esse aspecto tem sido o mais gratificante: ajudar a elevar a discussão sobre o que os videogames podem significar para a sociedade em geral.”

No que diz respeito a conquistar reconhecimento como uma forma de arte, ele se cuida para não exagerar a argumentação. “Você não pode simplesmente chegar gritando ‘arte’. Tem de sair na frente e abrir a discussão, apresentá-la às pessoas que nunca os consideraram instrumento de exame de maneira que os compreendam.”

Ou talvez não haja discurso a ser exagerado. O artista Dinos Chapman, embora seja um jogador, diz: “Não sei por que alguém iria querer fazer uma comparação entre arte e jogos de computador. Acho improvável confundir um com outro. Certa vez, desci do meu buggy, em Half-Life 2, para ver um pôr do sol belo, mas em nenhum momento me esqueci de que estava jogando e não apreciando arte”. Seu irmão e colaborador Jake duvida que tais comparações sejam até desejáveis: “É tão relevante quanto considerar erguer um muro como poesia ou futebol como filosofia. Alvenaria, futebol e videogames não ganham, necessariamente, nada por ser incorporados ao terreno da ‘arte'”.

Fonte: Valor

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