Início Novidades e Ofertas Paciente internado há 43 anos arrecada fundos para produzir animação 3D

Paciente internado há 43 anos arrecada fundos para produzir animação 3D

Com a ajuda de 1.612 doadores, Paulo Henrique Machado, de 45 anos, que vive há mais de 40 anos numa UTI do Hospital das Clínicas, em São Paulo, conseguiu arrecadar R$120.000,00 necessários para a produção de uma animação 3D.

animacao 3d de paulo henrique machado
Mesmo na cama, Paulo consegue produzir animações em 3D com programas avançados

Paulo sofreu paralisia infantil quando tinha um ano e meio. Desde então vive ligado a um respirador artificial. Na infância, ele e outras seis crianças também vítimas da pólio dividiram um mesmo quarto no HC. Desse grupo, só ele e Léca [Eliana Zagui, sua melhor amiga], sua vizinha de cama, sobreviveram.

Paulo tentava um financiamento coletivo para produzir a série de desenhos “As Aventuras de Léca e Seus Amigos”, mas só havia arrecadado menos de 10% do que precisava.

animacao 3d paciente paulo henrique machado
Paulo aprendeu a usar ferramentas de computação no próprio leito

Na quarta-feira passada (29/05), após o site indicar uma arrecadação de R$120.001,00, a UTI entrou em festa. Até uma champanhe foi estourada.

“Estou muuiittoo feliz e agradecido. Desde segunda, fiquei atualizando a página [do site de financiamento coletivo] a todo momento, acompanhando minuto a minuto. Parecia corretor de bolsa de valor. Cada real doado teve muito valor”, disse ele.

A maior parte das doações foi de R$15,00 e R$30,00 que dão direito a ver o episódio piloto completo. Apenas uma pessoa fez uma doação entre R$ 4.000 e R$ 7.000.

Segundo Paulo, na próxima segunda-feira, começam as providências práticas para a animação.

animacao 3d do paciente paulo henrique machado
Paulo também é fã de astronomia e tem foto autografada com dedicatória do astronauta brasileiro Marcos Ponte

“Vamos começar a assinar contratos, falar com produtoras. Alguns estúdios de som já me procuraram querendo ajudar. Tem uma amiga que fará a trilha sonora, outro amigo que vai dublar um dos personagens. Agora é colocar o time em campo.”

A História de Paulo

Minha mãe morreu dois dias depois que eu nasci. Com um ano e meio, tive paralisia infantil. Vim para o Hospital das Clínicas sem movimento nas pernas e, com o tempo, a paralisia atingiu também meu sistema respiratório. Desde então, dependo do aparelho de respiração artificial para continuar vivo.

fundos para projeto de animacao 3d do paciente paulo
Paulo passa boa parte do tempo assistindo a filmes e séries e tem uma coleção grande de DVDs

Aqui no hospital, aprendi a ler e a escrever. Conclui o ensino médio e fiz vários outros cursos de informática e na área de softwares.

Lembro-me de quando era pivete, podia andar de cadeira de rodas pelo hospital e visitar meus amigos em outros quartos. Líamos historinhas infantis uns para os outros.

Minha capacidade de respiração foi piorando e eu já não podia mais sair da cama. Eu e mais seis amigos, todos com paralisia infantil, fomos transferidos para um quarto [só ele e Eliana Zagui sobreviveram]. Era uma gangue. Eu e a Tânia éramos os líderes e discutíamos muito. O principal motivo era a televisão. Havia dois aparelhos e a gente ficava competindo pelo volume, pelos programas. Os meninos queriam futebol, as meninas, novela.

projeto de animacao 3d do paciente internado paulo henrique machado
O ambiente hospitalar é todo decorado com as coisas favoritas de Paulo

Apesar de estarmos presos às camas, a gente inventava brincadeiras que estimulavam a imaginação. Aqui no hospital tive muita oportunidade de fazer coisas que qualquer outra criança podia fazer lá fora, como armar arapucas para pegar passarinho no fundo do terraço. A diferença é aqui a gente só pegava pomba. Um dia encontrei um gafanhoto e o amarrei com barbante. Fazia de conta que eu era o Pinóquio e ele o grilo falante. Também ganhava “presentes” dos funcionários. Uma atendente me deu uns tatus-bolas. Outro médico que trabalhava aqui, o doutor Giovani, que eu chamava de pai [Paulo tem pai, mas que raramente o visita], me trouxe duas pererecas, aquelas que dão em rio. Eu tentava pegar, e elas pulavam. Foi aquela histeria generalizada na UTI.

Em 1992, pensei o que poderia ter para produzir, criar alguma coisa. Foi quando escrevi uma carta para uma empresa pedindo a doação de um computador. Comecei a estudar informática sozinho. Era um modelo MSX, bem limitado. Em 1994, ganhei meu primeiro PC. No início, era aterrorizador, eu vivia quebrando o computador. A coisa melhorou depois que os hospital deixou os técnicos de informática à disposição para me ajudar. Hoje eu monto computadores. Tenho meu segundo PC montado.

A partir de 2004, lutei, também sozinho, para me profissionalizar na área de 3D. Em 2011, achei que eu precisava de um curso para trabalhar com computação gráfica. Desde então, comecei a alimentar a esperança de um dia me envolver profissionalmente com a sétima arte. Adoro cinema, meu ídolo é Charles Chaplin (1889-1977).

Foi aí que pensei numa animação com deficientes físicos. Mas não sabia se isso despertaria o interesse das pessoas. Foi então vendo as animações com personagens deficientes feitas por um estúdio britânico de que eu gosto [Aardman Animations, especializado em animações stop-motion], que fez a “Fuga das Galinhas”, que pensei estar no caminho certo. Pensei que as minhas aventuras e dos meus amigos aqui dentro do hospital já dariam um bom roteiro para uma série animada.

animacao 3d colecao de paulo henrique machado
Os carrinhos também têm destaque na coleção de Paulo

Ao colocar as histórias das nossas vidas, minha ideia é que as crianças possam assistir e aprender que o deficiente, numa cadeira de rodas, não é tão diferente assim. As histórias também contam sobre passeios que fiz ao Playcenter, ao circo, por exemplo.

Já roteirizei cinco histórias. Meu objetivo é finalizar a primeira temporada com 13 roteiros. Cada episódio tem 12 minutos. Se o vento continuar soprando, outras temporadas virão. E se as pessoas gostarem, nada impede que um dia vire um longa metragem.

Uma árvore para crescer precisa ser regada. A árvore em questão não é de uma só pessoa. A ideia foi minha, mas o projeto da animação pertence a todos.

Fonte: Folha

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