A crise de 2008 levou o economista Waldick Jatobá do mercado financeiro para a esfera do design. Ele era diretor-geral do escritório de representação do Banco Privado Português em São Paulo quando a instituição ruiu.
A crise de 2008 levou o economista Waldick Jatobá do mercado financeiro para a esfera do design. Ele era diretor-geral do escritório de representação do Banco Privado Português em São Paulo quando a instituição ruiu. Sem apoio do governo português, que considerou a quebra um problema de private bank, o processo de liquidação foi iniciado. Mas se arrastou: a indenização dos investidores ainda está em fase de conclusão. Nesse meio tempo, Jatobá, que colecionava arte desde os 17 anos, conseguiu parceiros para realizar o Salão Design São Paulo, cuja primeira edição aconteceu no ano passado. Para completar a mudança, há quatro meses assumiu a direção criativa da Firma Casa, que reabriu depois de mais de um ano de reformas.
Com a intenção de fazer o espaço acontecer, ele busca artistas que atuem na interseção que existe entre a arte e o design – um mercado já bastante explorado fora do Brasil, que aqui começa a ganhar terreno.
Depois de uma exposição dos irmãos Campana e outra de Mana Bernardes, amanhã será a vez do belga Martin Margiela, mais conhecido por seu comportamento vanguardista na moda. “Ele também atua no design e, dentro desse cenário moda-mobiliário, cria algo que é mais do que um produto em si, é uma experiência. A gente está trazendo móveis que vão ser vendidos aqui dentro de um conceito, que tem cenografia, luz, ambientação. Tudo como parte dessa conexão entre a arte e o design”, diz ele.
Ao esmiuçar esse conceito, Jatobá cita o recente lançamento do livro de poemas da artista Mana Bernardes, que ainda está com seus móbiles expostos na Firma Casa. “A Mana fez uma performance dirigida pela atriz Vera Holtz e declamava trechos das suas poesias durante 15 minutos. O irmão da Mana, Pedro, ex-marido da Marisa Monte, armou uma parafernália eletrônica com percussão e piano. Esse diálogo entre várias formas de expressão é exatamente o que queremos fazer.”
A Firma Casa é um espaço amplo com cara de galeria de arte numa rua nobre de São Paulo, a Gabriel Monteiro da Silva, caracterizada pelo comércio de decoração de interiores. O projeto é assinado pelo escritório de arquitetura SuperLimão e a fachada foi feita pelos Irmãos Campana. Mais de 7 mil espadas de São Jorge foram plantadas para compor o muro, que é um jardim vertical com vasos de metal.
Ali, tudo o que se expõe está à venda, como uma aposta no crescimento do mercado do design-arte. Para Jatobá, uma prova de que o Brasil amadurece nesse sentido foi sucesso do Salão de Design no ano passado, visitado por mais de 10 mil pessoas em cinco dias, e que terá continuidade neste ano, na Oca, com abertura em 26 de junho. “Hoje você já vê pessoas pensando em investir num mobiliário mais exclusivo, editado em 30 ou 100 peças. Até em cinco peças. Há preocupação dos colecionadores de terem em casa, junto com obras de arte, um sofá quase tão exclusivo quanto.”
Esse movimento, explica Jatobá, acontece de forma paralela ao fortalecimento do mercado brasileiro de design vintage: de peças de Joaquim Tenreiro e Sérgio Rodrigues, mestres do design modernista, hoje chamados de vintage. “Essas peças passaram a ter valor de coleção, de obra de arte – seja pelo material, pelo uso do jacarandá, madeira rara e extremamente sofisticada, ou seja pelo desenho. Isso começou há cerca de 10 ou 15 anos, quando os americanos passaram a vir pra cá para comprá-las e levar para suas galerias de design lá fora. Só aí os brasileiros começaram a acordar. Lembro de gente que dizia: ‘Nossa, na minha casa tinha tantas cadeiras do Sérgio Rodrigues e minha mãe jogou tudo fora’. Hoje, essas peças são extremamente valorizadas. A última ‘Cadeira de Três Pés’ do Tenreiro foi vendida por US$ 300 mil”.
Colecionador que é, Jatobá acha que mente quem diz que não compra arte por investimento. “É uma grande balela. A pessoa que tem preocupação com dinheiro, no sentido de não jogá-lo pela janela, pensa no investimento porque quer estar segura do que está comprando. Ainda que escolha um artista jovem, quer que exista um galerista investindo na carreira dele. É a mesma coisa do que escolher um banco para colocar sua poupança: Você escolhe um grande banco ou o que fica na esquina?”
A visão financeira da arte e do design é algo que, sem dúvida, não escapa aos olhos de Jatobá. Desde formado, fez carreira em bancos. Do Citibank foi para o Crédit Lyonnais e daí para o Privado Português, onde contribuiu para a formação de um fundo de investimento em arte contemporânea no qual as obras eram compradas com o apoio de um curador. Como colecionador, começou com os modernistas brasileiros até decidir mudar o foco e trocar todo o seu acervo por arte contemporânea. Desde sempre gostou de ficar próximo dos artistas.
“Só compro um trabalho quando entendo. E não compro para vender daqui a dois, três anos. Vendi minha coleção modernista porque estava mudando de uma época pra outra. Tenho apego pelas coisas que compro”, declara.
Seguro de ter feito uma boa troca – do mercado financeiro para o design-arte -, o economista garante que a mudança foi prazerosa. “O problema que aconteceu com o banco me forçou a olhar para a vida de outra forma. Foi difícil, porque significou a saída de uma zona de conforto. Mas pude dizer pra mim: talvez essa seja minha vocação. Agora, estou trabalhando com uma coisa que gosto e conheço”.
Fonte: Valor