Segmentos ligados à Economia Criativa resistem à crise econômica e exigem novo modelo de desenvolvimento; setores ligados ao entretenimento cresceram mais de 5% ao ano no Brasil, acima da média mundial.
Multifacetada em setores independentes, mas conectados entre si, a Economia Criativa enfrenta a crise econômica no Brasil e no mundo e continua a sinalizar que pode ainda impulsionar toda a economia, seja de bens ou de serviços, desde pequenas empresas a grandes conglomerados, sobre fundamentos da identidade cultural do país. As oportunidades estão presentes tanto em atividades circenses e feiras regionais quanto na criação de software e desenvolvimento de games e incorporam, por exemplo, culturas tradicionais e produtos de design e arquitetura.
Para as instituições de fomento, o desafio é compreender as dinâmicas econômicas diferenciadas desta área em contraposição a modelos tradicionais de financiamento e incentivo e adequar produtos e serviços às necessidades desse público.
De acordo com o relatório mais recente da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), entre 2002 e 2015 o valor do mercado global para bens e serviços criativos mais que dobrou: passou de US$ 208 bilhões para US$ 509 bilhões. O relatório analisou o desempenho de 130 países e contabilizou o comércio de produtos de artesanato, audiovisuais, design, mídias digitais e novas mídias – como games e filmes –, artes cênicas, publicações e artes visuais. Também estão incluídos serviços de arquitetura e de desenvolvimento de pesquisas e tecnologias, publicidade e marketing, entre outros.
Em relação ao Brasil, a organização aponta que as exportações de bens criativos somaram, em 2014, US$ 923,4 milhões. Bens de design, como moda, acessórios, design de interiores e joias, foram os principais artigos comercializados com outros países. Novas mídias representaram US$ 102 milhões, seguidas por artes visuais (US$ 92 milhões) e artes e artesanato (US$ 73 milhões).
Outro estudo sobre o tema, produzido pela Ernst & Young (E&Y, 2015), com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), apontou que as indústrias criativas fazem parte de um conjunto cujo valor de mercado foi estimado, em 2013, em US$ 2,25 trilhões (cerca de 3% do PIB mundial). Em termos de tamanho do mercado de trabalho, essas indústrias foram responsáveis por 29,5 milhões de empregos naquele mesmo ano. O quantitativo equivale a, pelo menos, 1% da população ativa em todo o mundo.
Sobre as perspectivas de crescimento, as estimativas para o Brasil são superiores ao desempenho previsto para o mundo. Segundo o Global Entertainment and Media Outlook 2018-2022, estudo realizado pela Pricewaterhouse Coopers (PwC, 2018) para os segmentos de mídia e entretenimento no mundo, essas indústrias brasileiras tendem a crescer, em média, mais aceleradamente que seus pares no restante do
globo. A taxa de crescimento anual composta (CAGR) para os segmentos brasileiros é de 5,3% no período 2018-2022. Já para o restante do mundo, esse crescimento é de 4,4%.
No entanto, os dados disponíveis também dão um alerta. O relatório da UNCTAD destaca que o valor de exportações de bens de design do Brasil caiu de US$880 milhões, em 2005, para US$ 614 milhões, em 2014. Os dados das importações também não correspondem ao reconhecido potencial brasileiro para a criação de bens e serviços altamente valorizados pela criatividade: apesar da vocação nacional e da diversidade regional do Brasil, o ingresso de produtos e bens culturais foi três vezes maior que a exportação desses itens, com valor de US$ 2,9 bilhões em 2014.
Na avaliação da consultora em Economia Criativa e professora Cláudia Leitão falta uma política pública nacional que forneça os alicerces necessários para que a Economia Criativa no Brasil alcance todo o seu potencial e contribua mais efetiva e concretamente para o crescimento econômico e social do país. “A dinâmica dos setores criativos e culturais é muito diferente da dinâmica de economias tradicionais, como as baseadas na comercialização de commodities ou na produção industrial sem valor agregado. A produção criativa e cultural envolve o desenvolvimento de tecnologia e inovação e tem a cultura e a diversidade como valor agregado”, define.
Cláudia foi secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura entre 2011 e 2013. Na oportunidade de criação da secretaria, foi aberto diálogo com agências de fomento, instituições internacionais, universidades, institutos de pesquisa, segmentos criativos, órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e outros agentes para identificar as peculiaridades dessas dinâmicas econômicas e promover ações coordenadas que apoiassem a Economia Criativa.
“Entendo que a economia criativa se caracteriza pela abundância, pela sustentabilidade social e pela inclusão produtiva. Ainda precisamos de um trabalho pedagógico que convença especialmente os agentes políticos e econômicos sobre as oportunidades e a vocação do Brasil para gerar riqueza a partir de sua diversidade cultural e poder criativo”, afirma.
Mesmo diante das dificuldades impostas pela desarticulação e poucas informações sobre o comportamento dos setores criativos e culturais, as iniciativas pontuais observadas comprovam a força da Economia Criativa para resistir a intempéries como as impostas por crises econômicas. “Apesar de ser ainda hoje uma economia muito afetada pela informalidade, sem apoio ou garantias, com deficiências na formação em gestão e processos e sujeita a uma legislação pouco favorável, o Brasil ainda suscita um conjunto de ideias por sua cultura e diversidade que poderiam ser traduzidas em bens e serviços criativos”, defende Cláudia.
Um exemplo do reconhecimento mundial da força brasileira em bens e produtos criativos é a eleição de cidades do Brasil para compor a rede da Unesco de cidades que colocam as indústrias criativas e culturais no centro dos planos de desenvolvimento social e econômico. Em 2017, Brasília foi eleita cidade do design, Paraty (RJ), a cidade da Gastronomia, e João Pessoa (PB) foi elencada como cidade das Artes Folclóricas. A próxima seleção acontece em 2019. “Essas foram ações pontuais, baseadas na autonomia das cidades, mas podem acabar sem uma política nacional consolidada”, teme Cláudia.
FOMENTO
Entre as instituições financeiras de desenvolvimento que compõem o Sistema Nacional de Fomento, ao menos doze atuam com iniciativas voltadas aos diversos segmentos da Economia Criativa, seja com financiamento, seja com patrocínios e apoios diretos. É o caso do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), que é o agente financeiro do Fundo Setorial Audiovisual (FSA), destinado ao desenvolvimento articulado de toda a cadeia produtiva da atividade audiovisual no Brasil; ou da Agência de Fomento de Pernambuco (Agefepe), que apoia a Feira Nacional de Negócios do Artesanato, considerada a maior feira de artesanato da América Latina. As agências e bancos de fomento do Amapá, Amazonas, Santa Catarina, Minas Gerais, Brasília também possuem linhas de crédito ou ações voltadas a essa área.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem focado nos últimos anos em três setores da Economia Criativa: audiovisual, editorial e games. No cinema, por exemplo, são mais de 400 filmes financiados por meio de editais periódicos lançados pela instituição. Iniciativa desenvolvida com a participação da Agência Nacional do Cinema (Ancine) também viabilizou a abertura de 400 salas de projeção em cidades fora do eixo das principais capitais brasileiras.
Já o Programa BNDES para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (BNDES Procult) atendeu mais de 100 empresas que demandaram recursos para desenvolver suas atividades. Entre os objetivos dessa linha de crédito, estão o fomento de projetos de caráter estruturante que fortaleçam as cadeias produtivas da cultura e a melhoria da estrutura de capital das empresas que atuam nessas cadeias. O banco também investe no desenvolvimento e na adoção de boas práticas de governança corporativa para essas empresas.
Em fase final de formatação, o BNDES Direto 10 dará maior atenção a setores ligados à inovação. Por meio desse novo produto, o banco também pretende apoiar empreendimentos nas áreas de design, gastronomia e turismo. “A Economia Criativa agrega valor econômico à identidade cultural de um país, inclusive atraindo turismo e negócios no exterior. Ela é composta, em sua maioria, por empresas de médio e pequeno porte e com grande capacidade de geração de empregos”, afirma o chefe de departamento da Telecomunicações, Tecnologia da Informação e Economia Criativa do BNDES, Ricardo Rivera.
Na área de Jogos e Games, o banco investe em empresas que têm no mercado brasileiro o potencial do nono mercado mundial. “Há espaço para desenvolver empresas para atender a esse mercado interno com a qualidade criativa e tecnológica que já chama a atenção internacional”, pontua a gerente do mesmo departamento, Fernanda Farah.
Segundo as estimativas da PwC, os mercados brasileiros de games e de cinema crescerão mais do que esses mesmos mercados no mundo. Enquanto os games crescerão, em média, 14,7% ao ano, no Brasil, até 2022, essa indústria deve crescer 7,2% ao ano no restante do mundo, atingindo US$ 149 bilhões em 2022. Ao final do período, o Brasil terá valor de mercado de US$ 1,8 bilhão em jogos e games.
Segundo Rivera, o papel do BNDES tem sido proporcionar o acesso a crédito para empresas da Economia Criativa, definindo formas de apoio compatíveis com as características das empresas do segmento, que possuem pouco ativo fixo e muitos ativos intangíveis. Também é preciso considerar que boa parte desses setores é pouco profissionalizada, demandando apoio em capacitação, informação e formalização – condições mínimas para obter recursos e investimentos no mercado.
Fonte: ABDE