O americano Carl Bass, CEO da Autodesk, multinacional especializada em tecnologia 3D, dona de um faturamento anual de US$ 2,2 bilhões, vê a engenharia como a ferramenta que possibilita o avanço da sociedade e afirma que estamos na era de ouro da engenharia.
Responsável pelo software de design mais utilizado no mundo, o AutoCad, Bass também acredita que essa área esteja passando por uma revolução digital, que vai transformar não somente o mundo em que vivemos, mas também a maneira como as empresas fazem negócios. Impulsionada pelo rápido desenvolvimento da computação, e a consequente redução de custos dos recursos disponíveis, a chamada engenharia digital vai permitir que pessoas comuns, sem conhecimento nenhum dos princípios básicos de construção de prédios ou desenvolvimento de produtos, possam criar estruturas complexas e viáveis de serem produzidas. Além disso, será possível realizar obras antes inimagináveis. O executivo recebeu a DINHEIRO no escritório da Autodesk, em São Francisco, na Califórnia, e falou sobre as transformações que essa revolução digital proporciona aos setores de construção, manufatura e até no cinema.
DINHEIRO – Qual é o futuro da engenharia?
CARL BASS – O que está mudando são as ferramentas disponíveis para a criação e o desenvolvimento de projetos de design e engenharia. Os engenheiros de hoje dispõem de ferramentas que seriam inimagináveis há dez anos. Isso acontece porque os recursos de computação avançam rapidamente e o custo chega próximo de zero. Na realidade, a capacidade de processamento disponível hoje é quase infinita. A simples ideia de poder fazer mais de uma dezena de projetos diferentes para uma mesma obra e, em questão de minutos, obter respostas sobre a força e a viabilidade de cada um deles é fantástico. Isso é o tipo de coisa que levaria anos para se fazer no passado. Acredito que, em grande parte, ignoramos essa revolução, mas ela é muito importante para a sociedade. Estamos vivendo uma espécie de era de ouro da engenharia, na qual contamos com ferramentas que nem sequer poderíamos conceber no passado.
DINHEIRO – Com o avanço dos softwares de design e arquitetura, o sr. acredita que pessoas sem formação em engenharia poderão criar produtos e até estruturas complexas?
BASS – Ferramentas são apenas ferramentas. Um processador de texto, como o Word, não faz de ninguém um escritor. Mas, se pararmos para refletir um pouco, veremos que há um número enorme de pessoas escrevendo e publicando seus textos, atualmente. Antes, selecionávamos quem iria escrever. Hoje, todos podem publicar. É esse tipo de mudança que está acontecendo na área de engenharia e design. Hoje, existem softwares, por exemplo, que criam automaticamente um modelo em três dimensões de qualquer objeto, a partir de algumas fotos. Não é preciso saber desenhar nem uma linha reta. E com uma impressora 3D, que imprime objetos em vez de páginas de texto, podemos manufaturar qualquer coisa imediatamente.
DINHEIRO – O sr. está dizendo que o avanço da tecnologia na área de engenharia e design está mudando não só a forma como construímos nossas casas, mas também todo o processo de criação e manufatura de produtos?
BASS – Sim. Há uma parte da manufatura, mais focada em produtos de baixo custo, que permanece inalterada. É o tipo de indústria que existe em países como a China e o Vietnã. Mas existe outro tipo de indústria cujo modelo de negócios está sendo alterado por tecnologias como a impressão 3D e a robótica. A manufatura que conhecemos é baseada na produção em massa. Milhares de produtos padronizados de baixo custo e boa qualidade. Na manufatura digital, é possível produzir artigos de boa qualidade a um preço razoável e em quantidades baixíssimas. Até mesmo uma só unidade. Essa é a grande mudança que vai afetar, inicialmente, produtos de alto valor agregado e altamente customizáveis, como próteses médicas e peças para aviões.
DINHEIRO – Como a tecnologia pode ajudar na gestão das cidades?
BASS – Seremos capazes de ter uma visão mais holística de como planejamos as cidades. Vamos poder, por exemplo, ver como será o tráfego de veículos antes de construir novos bairros ou grandes estruturas. Também será possível medir o consumo de energia e repensar os projetos para minimizar o impacto desse consumo. Essas são algumas das coisas que se tornam mensuráveis quando criamos modelos digitais das obras. Dessa forma, as pessoas que financiam os projetos e os governos que dão suporte a grandes empreendimentos podem entender melhor o retorno sobre esses investimentos.
DINHEIRO – O sr. acredita que, com essa tecnologia, os gestores serão capazes de evitar erros estratégicos, que já foram cometidos no passado, em relação ao crescimento das áreas urbanas?
BASS – As ferramentas estão disponíveis. Agora, resolver os problemas políticos não é uma das capacidades da tecnologia.
DINHEIRO – Como o sr. vê o Brasil nesse contexto de transformações?
BASS – Identifico dois acontecimentos impulsionando a adoção de tecnologias de ponta no Brasil: os eventos que vão acontecer em breve, no caso Copa do Mundo e Olimpíada, e o crescimento recente da população urbanizada, que acaba vivendo em condições precárias. O governo brasileiro está trabalhando na construção da infraestrutura que vai atender às duas questões. Outro ponto importante é que o Brasil sempre foi um grande centro industrial. E continua crescendo nesse sentido. O que ainda não vi sendo desenvolvido no País é a indústria de entretenimento e cinema. Esse é um caminho natural para os países que se desenvolvem economicamente, como aconteceu com Bollywood, na Índia. A mesma tecnologia de softwares 3D utilizada para criar grandes projetos de engenharia pode ser aplicada na indústria de cinema e televisão para fazer animações.
DINHEIRO – O sr. pode dar algum exemplo de projetos que estão sendo conduzidos no Brasil nesse sentido?
BASS – Recentemente, vi uma apresentação do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, sobre um projeto para melhorar a oferta de serviços públicos para a população. É um plano muito poderoso em fase de execução na cidade. O potencial existe e cabe aos gestores das grandes metrópoles colocar em prática projetos como os do Rio. Mas ainda há o risco de serem tomadas decisões ruins. Só espero que, com as ferramentas disponíveis, a tendência seja de um número maior de acertos do que de erros.
DINHEIRO – A Autodesk está apostando na computação em nuvem como uma forma de popularizar seus softwares para engenharia. Como o sr. pretende fazer isso?
BASS – A computação em nuvem oferece uma capacidade computacional muito grande, a um custo próximo do zero. Mas, para ser bem-sucedido com esse modelo, é preciso repensar o tipo de experiência que o usuário terá no ambiente online. O Google, por exemplo, tentou levar os processadores de texto para a nuvem e não teve o sucesso que esperava. Seu erro foi apenas copiar o modelo que a Microsoft criou para o Word na internet, em vez de criar um modelo diferente para algo com que todos nós estávamos confortavelmente acostumados. Nós estamos propondo um novo modelo para os softwares de engenharia e design.
DINHEIRO – O sr. falou sobre o mercado de cinema e entretenimento. Como os softwares de engenharia estão modificando o setor?
BASS – É interessante ver como o mundo está fazendo a transição do texto para o vídeo. O consumo de vídeo sobe como um foguete. Já no caso do texto, o consumo está estável, comtendência de queda. A linguagem é o mais importante, mas o texto pode ser um recurso de uma época em que escrever era a maneira mais eficiente de comunicar. Hoje, temos as condições necessárias para gravar voz e imagem. E os softwares de modelagem em 3D abrem as portas do mundo da animação em vídeo para praticamente qualquer pessoa. O maior fenômeno de mídia nos Estados Unidos atualmente são os vídeos caseiros e a tevê sob demanda. Meus filhos já não assistem à televisão. E quando assistem, é de uma maneira diferente, na internet. É impressionante como, com um simples celular, faço um filme que, rapidamente, pode ser visto por milhões de pessoas. Isso está mudando o mundo do cinema e da televisão.
DINHEIRO – O que vai acontecer é que a criatividade, e não o acesso a recursos financeiros e tecnológicos, vai ditar os rumos da indústria?
BASS – É exatamente o que aconteceu com os textos. Hoje todos podem publicar. Antes era preciso ser selecionado por quem tinha acesso às gráficas e aos canais de distribuição. Hoje, qualquer um pode fazer. O que vai nos diferenciar é a qualidade das ideias e do que é produzido.
DINHEIRO – Nesse novo cenário, como o sr. avalia a competição com empresas muito maiores, como a IBM?
BASS – A competição muda com o tempo. Acredito, no entanto, que seja melhor gastar mais tempo pensando no que podemos fazer para permitir que mais pessoas produzam vídeos e contem histórias, por exemplo, do que ficar pensando nos nossos competidores. No fundo, se você fizer a coisa certa para o seu cliente, os problemas com os concorrentes se resolverão sozinhos.
Fonte: ISTOÉ Dinheiro