Na faculdade de animação, cursada na Alemanha, a mineira Natália Freitas era a única que sabia pintar texturas valendo-se de um software específico, o MARI The Foundry, usado inicialmente em “Avatar” (2009). “A notícia se espalhou entre os estudantes e todos queriam que eu fizesse a pintura de seus filmes. No fim, acabou virando minha especialização”, recorda a responsável pela texturização de um dos personagens de “Hotel Transilvânia 3” (HT3).
Formada há 11 anos pela Escola de Belas Artes da UFMG, Natália virou uma artista nômade, cruzando o Atlântico, após terminar o curso na Alemanha, para trabalhar nos Estados Unidos, onde integrou a equipe de “Moana” (2017), realizando o sonho de participar de um filme da Disney. Agora está no Canadá, prestando serviço para a Sony. Depois de “HT3”, outro longa animado por ela foi “Pé Pequeno”, que estreia em setembro.
Recentemente, terminou um projeto junto com a irmã, Nívea, que faz mestrado em música na Alemanha. Apresentado no mês passado, “Cockoo Land” foi criado especialmente para o concerto de conclusão dela. “Acho muito importante fazer trabalhos pessoais e não ficar somente ‘na sombra’ dos estúdios. A experiência que tive dirigindo curtas foi muito boa e hoje eu almejo também dirigir longa metragem”, revela.
A sua história se assemelha um pouco aos enredos de superação dos filmes de animação, tendo perdido cedo os pais, estudado bastante e sendo, mais tarde, pioneira em vários segmentos, como uma das brasileiras a trabalhar em filmes de grandes estúdios. Quase dez anos após se formar, você imaginaria que chegaria neste lugar?
Realmente, a maioria das animações com mulheres protagonistas ou grande parte dos super-heróis dos quadrinhos perderam a mãe, o pai ou ambos. Eu me identificava muito com esses personagens e, de certa forma, eles me ajudaram bastante. Hoje existem muitos bons estúdios e excelentes animadoras do Brasil espalhadas pelo mundo, mas eu sou uma das primeiras mulheres brasileiras a trabalhar como artista 3D em um filme de CGI. Quando eu formei na faculdade, em 2009, ainda era animadora 2D e animava tudo tradicionalmente (papel, lápis e mesa de luz). Meu sonho sempre foi o de fazer filmes para cinema e consegui isso, primeiramente em 2010, quando trabalhei durante três meses na Otto Desenhos Animados, em Porto Alegre, como animadora no filme “Até que a Sbornia nos Separe”. Naquele momento, eu nunca poderia imaginar que um dia eu largaria o papel e a animação tradicional e que teria o meu nome nos créditos de um filme Disney ou Sony.
Pela sua biografia, vejo que um ponto de virada foi ter investido na animação 3D, a partir da leitura de tutoriais na internet. O que significou essa mudança na carreira?
Eu usava o computador em casa somente pra estudar e baixar músicas, pesquisar sobre artistas favoritos, escrever pequenos artigos sobre artes, etc. No final de 2010, comecei a estudar 3D sozinha porque, como animadora 2D tradicional, eu não conseguia nenhum emprego fixo. Senti que eu precisava caminhar de acordo com as demandas do mercado e esse novo conhecimento abriu várias portas para mim. Hoje, o computador é a minha principal ferramenta de trabalho.
Você morou em Porto Alegre, mudou-se para Alemanha, Estados Unidos e agora está no Canadá. Para trabalhar neste campo, é preciso ter essa vida nômade, indo para os lugares onde estão as produções?
Infelizmente, a maioria dos estúdios trabalha com contratos por projeto. É preciso ser flexível para ir onde há uma oportunidade. Eu sou sempre aberta a novos desafios e aventuras, mas chega um momento que cansa. Quando recebi a oferta da Sony, por exemplo, achei que iria trabalhar na Califórnia e que poderia continuar por lá –naquele momento eu ainda morava em Burbank. No entanto, quando recebi o contrato e vi que era para trabalhar em Vancouver, no Canadá, demorei três dias para assinar, pois não sabia se estava preparada para reiniciar minha vida em outro país novamente. Mas, no fim, não me arrependi de ter vindo pra cá. Foi uma ótima decisão!
Você fez parte da equipe de “Moana”, da Disney. Como foi trabalhar na companhia que virou sinônimo de animação, especialmente para quem tem “A Bela Adormecida” como um dos filmes preferidos?
Eu não imaginava que iria conseguir, pois, apesar de ter todos os pré-requisitos da vaga, eu achava que meu trabalho ainda não era bom o suficiente. Foi a primeira vez que me candidatei para trabalhar no estúdio e conseguir assim de primeira foi muito especial! Durante o tempo em que trabalhei na Disney, amava segunda-feira! Ir trabalhar pra mim era sinônimo de diversão, aprendizado e a realização de um grande sonho! Lá, conheci vários artistas maravilhosos e também pude ver a arte dos artistas do passado, como os cenários que o Eyvind Earle pintou para “A Bela Adormecida” – quase chorei! Até hoje, às vezes me pego pensando se foi tudo um sonho ou não. Foi surreal!
Você assistiu a “Hotel Transilvânia 3” pronto no sábado, numa exibição especial para a equipe, em Vancouver. Como foi ver mais um novo trabalho na tela?
Foi muito legal rever todas as coisas que eu fiz. A equipe de texture painters (pintores de textura, na tradução livre do inglês) foi bem pequena, composta de dez artistas, um supervisor e um leader (líder, na tradução). Então, tivemos a chance de fazer muita coisa e ter um bom tempo de tela. Ver também o personagem (homem-peixe), que eu pintei, “roubando a cena” foi muito engraçado! O filme não tem um roteiro clássico, mas é super divertido e acho que essa foi a proposta do diretor.
Fonte: Hoje em Dia