Um prédio de seis andares, localizado na rue de la Cavalerie, nr.6, em Paris, não dá nenhuma dica do que se esconde por trás de sua fachada sombria. Mal dá para ver a pequena placa na qual está escrito Mac Guff, o nome de um dos estúdios de animação e de efeitos visuais mais conceituados da Europa, fundado em 1986. Adquirido em 2011 pela empresa americana Illumination Entertainment, subsidiária da Universal Studios, de Los Angeles, o estúdio francês atualmente funde as duas sensibilidades no segmento da animação: o apelo comercial das grandes produções hollywoodianas com a sofisticação europeia, sobretudo no que diz respeito à atuação dos personagens e ao senso de humor.
Na animação “Meu Malvado Favorito 2”, cada personagem tem um software próprio, a partir do qual o animador controla todos os movimentos corporais e expressões faciais.
“Somos influenciados pelos filmes mudos e principalmente pelo cinema de Jacques Tati, no qual os personagens se comunicam mais por gestos, expressões e ruídos”, disse o diretor e animador francês Pierre Coffin, referindo-se ao mestre da comédia visual dos anos 50, eternizado nas telas na pele do herói excêntrico e atrapalhado Monsieur Hulot. “Sem querer ofender os americanos, preferimos fugir das animações sentimentais, com aquelas mensagens infantis, como ‘siga o seu coração’. Criança ou adulto, o espectador merece mais que isso”, contou Coffin, às voltas com mais um longa-metragem de animação em que a comédia e a sagacidade superam a pieguice dos desenhos mais tradicionais.
Depois que “Meu Malvado Favorito” (na França, “Moi, Moche at Méchant”) foi realizado com US$ 69 milhões e arrecadou mundialmente US$ 543 milhões, em 2010, o estúdio Mac Guff embarcou na sequência – atualmente em pós-produção. Coffin retomou a direção, em parceria com o nova-iorquino Chris Renaud, com quem trabalhou no original. “Eu venho com a bagagem da animação americana e Pierre, com a francesa. Esse encontro tanto reforça as nossas perspectivas individuais quanto nos ajuda a criar algo único, juntos”, disse Renaud, ex-Blue Sky Studios, onde foi responsável pelo “storyboard” de “A Era do Gelo 2: O Degelo” (2006) e pelo desenvolvimento da história em “A Era do Gelo 3: Despertar dos Dinossauros” (2009).
“O ‘timing’ das nossas animações é outro, com um tempo de respiro maior, para que possamos elevar o nível das performances, tratando-as como se fossem de atores em carne e osso, e deixar o espectador saborear os aspectos puramente visuais”, afirmou Coffin, que iniciou a carreira na unidade de Londres da Amblimation, de Steven Spielberg, como animador de “Os Dinossauros Voltaram” (1993). Ele é um dos 400 funcionários da Mac Guff, cujo nome homenageia o termo MacGuffin (também escrito como McGuffin ou Maguffin), popularizado no cinema por Alfred Hitchcock. Trata-se de um recurso (um personagem ou mesmo um objeto) criado para fazer a história avançar sem ser absolutamente necessário para o desenrolar da trama.
Com lançamento no Brasil previsto para 5 de julho, “Meu Malvado Favorito 2” é atualmente a menina dos olhos do estúdio. Orçado em menos de US$ 100 milhões – enquanto as animações dos concorrentes Pixar e Dreamworks consomem de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões -, o novo longa revisita o personagem Gru, o vilão dublado por Steve Carell no original (com um sotaque próximo do russo). Inspirado ligeiramente em Tati, sobretudo nos seus gestos largos e na silhueta inconfundível (aqui com a costas curvadas, o tronco enorme e as pernas finíssimas), Gru tentou roubar a Lua no primeiro filme. Para atingir a façanha, adotou três garotas (Margo, Edith e Agnes), para ajudá-lo a furtar uma máquina de encolher de seu rival, Vector. O que estragou o seu plano foi o impacto que as meninas tiveram na vida do sujeito mal-humorado – até então cercado apenas dos seus escravos Minions: criaturas amarelas e encapetadas que falam uma língua ininteligível.
O segundo filme explora mais a inusitada relação de pai que Gru estabelece com as garotas – a mais velha já começa a se interessar por meninos, o que o deixa apreensivo. Enquanto cumpre as funções paternas, uma agente da liga antivilões (dublagem de Kristen Wiig) recruta Gru, mesmo contra a vontade dele, sequestrando-o para que ajude a organização a derrubar um homem ainda mais perigoso, Eduardo (com a voz de Al Pacino). “Como o nosso foco está nas interpretações, não precisamos carregar nos efeitos especiais, o que nos permite ser mais ágeis que os demais estúdios de animação”, disse Janet Healy, produtora de “Meu Malvado Favorito 2”.
Enquanto a maioria das animações leva, em média, cinco anos para ser realizada, na companhia francesa os longas feitos por computação gráfica são concluídos em três anos, no máximo. “Trabalhamos com uma equipe mais enxuta, o que torna a produção mais barata, por forçar os animadores a se ocupar de vários personagens ao mesmo tempo”, contou Renaud. Em outro país, talvez o ritmo pudesse comprometer a qualidade, mas não na França, na visão do diretor. “A animação desse país é beneficiada por um sistema educacional forte e por uma grande paixão por essa forma de arte”, disse, acrescentando que boa parte dos animadores na Mac Guff vem da tradicional escola Gobelins.
O quadro atual de funcionários do estúdio conta com 65 animadores. O primeiro passo da equipe, a cada novo projeto, é desenvolvimento da estrutura visual da história. É aqui que o time cria o “storyboard”, traduzindo o roteiro em imagens – incluindo personagens, cenários, adereços e pano de fundo, preocupando-se mais com o esboço que com a arte final. A segunda etapa diz respeito à composição das cenas, o que envolve os movimentos de câmera, a música e o “storyboard” em 3D, formato que exige o dobro de imagens (uma para cada olho).
Cumpridos os primeiros estágios, o filme vai parar nas mãos dos animadores. Enquanto um time trabalha no fundo das cenas, o outro se dedica exclusivamente aos personagens, animando-os conforme a orientação dos diretores do filme. Essa etapa também é baseada na gravação da voz dos personagens pelos atores – realizada com antecedência. Cada personagem ganha um programa de software próprio, a partir do qual o animador controla todos os movimentos corporais e expressões faciais, por meio de comandos. “Como são vários animadores atuando, é feita uma supervisão diária para manter a consistência dos personagens. Eles precisam ter sempre as mesmas características, incluindo a forma de andar e de falar. Por isso estudamos tão profundamente a personalidade de cada um”, contou o diretor de animação, Pierre Leduc.
Por fim, as cenas passam pelo departamento de iluminação e efeitos, onde são adicionados elementos como fumaça, gás ou fogo. “Mas nada impede que, perto da conclusão do filme, surja uma ideia nova, fazendo a equipe voltar para trás, seja para incluir uma cena ou modificar outra. O processo é muito orgânico”, afirmou Coffin, agora mais acostumado com a influência americana nas animações da Mac Guff. “Claro que ainda brigamos às vezes”, disse, rindo.
No fim do primeiro “Meu Malvado Favorito”, por exemplo, Coffin eliminou a fala, prevista no roteiro, em que Gru dizia “eu te amo”, ao abraçar uma das crianças – sendo posteriormente convencido pelo produtor Chris Meledandri a reincorporá-la. “Por ser francês, tenho alergia a momentos melosos, mas Chris insistiu que só aquela frase poderia nos trazer US$ 200 milhões a mais de bilheteria.” O que consolou Coffin foi acrescentar uma cena com os diabólicos Minions fazendo cara de nojo com a demonstração de afeto de Gru. “Aí o filme voltou a ter a minha cara”, brincou o diretor, que prepara para 2014 uma animação com os Minions como protagonistas.
Fonte: Valor