O analista de sistemas Renato Barbosa pensou bastante em como matar o tempo no longo percurso gasto no trânsito entre seu local de trabalho, na zona sul de São Paulo (SP), e sua casa, na região leste. A solução para vencer o tédio veio de um aparelho que, apenas algum tempo atrás, não tinha nada a ver com entretenimento: o celular. “Baixei o jogo ‘Fruit Ninja’ na loja de aplicativos do meu smartphone e me acostumei a jogar no caminho de volta para casa. Quando me dou conta, já estou chegando”, conta o analista.
No transporte coletivo, na sala de espera de consultórios médicos e hospitais, ou em alguma longa fila, não é raro pessoas com o celular na mão, entretidas com algum joguinho. Uma pesquisa realizada pela agência de publicidade F/Nazca em parceria com o Datafolha mostra que o celular é o aparelho mais usado pelos brasileiros que jogam games eletrônicos, superando os computadores, consoles e aparelhos portáteis de videogame.
O interesse dos brasileiros pelos jogos para celular dá sinais da importância que esse mercado vem ganhando na indústria de jogos eletrônicos. Entre 2005 e 2008, a participação dos games para celular no faturamento do setor no Brasil aumentou de 8% para quase 15%. A cifra equivale a cerca de R$ 13,5 milhões, de acordo com a Abragames, a associação do setor. Não há dados recentes sobre o mercado, mas profissionais do setor dizem acreditar que essa tendência se manteve nos anos recentes.
O resultado é que – ao lado dos jogos sociais, disputados em sites de relacionamento – os games para celular tornam-se cada vez mais importantes para as empresas nacionais de jogos eletrônicos. Por conta dos altos custos de produção, que podem chegar a dezenas de milhões de dólares, sempre foi difícil criar jogos para videogames no Brasil. Com o crescimento da procura pelos games para celular e outros dispositivos móveis – que exigem despesas de desenvolvimento, marketing e vendas bem menores -, companhias do setor começam a enxergar uma nova chance de encontrar a trilha para um crescimento mais expressivo.
A Ilusis, sediada em Belo Horizonte (MG), é uma das companhias que decidiu apostar nos jogos para celulares e tablets. A companhia, criada em 2008 com foco em jogos eletrônicos em geral, começou a delinear sua estratégia no segmento de celulares no ano passado. “Percebemos que essa era uma tendência global. É a área que está liderando a indústria [de jogos eletrônicos]”, afirma Rodrigo Mamão, executivo-chefe da Ilusis. Os jogos para celular representaram cerca de 30% do faturamento de R$ 1,2 milhão da Ilusis em 2011. A expectativa do executivo é que essa participação aumente para 50% em 2012, quando a empresa espera dobrar a receita. A fatia restante é composta por jogos para console – a empresa desenvolve softwares para o videogame portátil da Sony – e por jogos para celular com fins publicitários, os chamados advergames.
O crescimento da base de smartphones é de longe a principal alavanca para o mercado brasileiro de jogos para celular. A lógica é simples: esse tipo de aparelho tem recursos tecnológicos mais avançados, que permitem jogar games mais sofisticados e melhoram a experiência de quem está em frente à telinha do telefone. À medida que os brasileiros trocam seus aparelhos tradicionais por smartphones – o que vem acontecendo em ritmo acelerado -, torna-se óbvio o potencial de crescimento dos games para celular. Em 2011, foram vendidas cerca de 9 milhões de unidades de smartphones no país, uma alta de 84% em relação a 2010, de acordo com a consultoria IDC. A previsão é superar a marca de 15 milhões de aparelhos vendidos em 2012.
Foi de olho nesse mercado que Túlio Sória, executivo-chefe do Mother Gaia Studio, de Bauru, no interior de São Paulo, decidiu colocar os jogos para celular no centro da estratégia da empresa. “Víamos muita gente ganhando dinheiro com isso [jogos para celular e tablet], além da crescente demanda”, afirma Sória. Criado em 2009 com o prêmio de US$ 25 mil levantado por Sória e outros dois universitários em uma competição internacional promovida pela Microsoft, o Mother Gaia teve um faturamento de R$ 350 mil em 2011 e espera um crescimento de 30% da receita neste ano.
De acordo com Sória, voltar-se para o mercado de games para celular foi um fator decisivo para que a empresa recebesse, no começo de 2012, um aporte do fundo de participações Portbank. O valor do investimento não é revelado.
O domínio de dois sistemas operacionais (iOS e Android) no mercado de smartphones é mais um chamariz para as empresas de desenvolvimento de games. Isso resolve um antigo problema no segmento: o número gigantesco de aparelhos para os quais as companhias tinham de criar jogos. Para cada fabricante e série de aparelhos era preciso criar uma versão específica do game. Com apenas dois softwares dominantes, o trabalho é facilitado, e as companhias podem se dedicar mais aos jogos.
A abertura no Brasil da seção de jogos da App Store, a loja de aplicativos da Apple, também abre caminho para o crescimento dos games para celular. “É um elemento muito importante, porque vai permitir que as pessoas baixem aplicativos sem precisar de um cartão internacional para pagar”, afirma Sylvain Baudry, diretor de vendas da Gameloft para América Latina. A companhia francesa de games para dispositivos móveis tem escritório no Brasil desde 2008.
Fonte: Valor