Prevenção é sempre a melhor atitude para quem trabalha e desenvolve seus produtos com ética e profissionalismo
A revelação, feita por colegas da área, foi um choque para a empreendedora Márcia Freyberger. Ainda sem acreditar, ela pediu a amigas que se passassem por clientes para checar a informação. Era verdade. Uma funcionária de sua empresa, a paulista Madri Festas, especializada em recreação infantil, não só havia aberto uma operação rival às escondidas como tinha copiado todos os seus métodos de trabalho. Após investigar mais, descobriu que ela ainda furtava peças para uso nos eventos concorrentes. “Meu material estava sumindo. No começo, não associei uma coisa à outra. Achei que podíamos ter esquecido itens em locais onde tínhamos estado. Mas acabamos por desmascará-la. Fiz até BO (boletim de ocorrência), aconselhada por meu advogado”, diz. No fim, a desonestidade não prosperou: a ex-contratada acabou por fechar o empreendimento sem conseguir muitos clientes, segundo Márcia apurou com conhecidos do mercado.
A Marte Rótulos Especiais, também de São Paulo, viveu um drama semelhante ao da Madri. Um vendedor, seduzido pela chance de ganhar mais, tornou-se sócio de uma concorrente também do ramo de impressão de rótulos e adesivos. No entanto, em vez de sair do trabalho e abraçar o novo desafio, preferiu continuar no emprego. Passou dois anos no jogo duplo: fechava negócios tanto para sua empregadora quanto para ele. Ao ser descoberto, foi demitido por justa causa. Mas o ex-funcionário continua até hoje à frente da gráfica rival.
Casos como o da Madri e da Marte são mais comuns do que se imagina. Funcionários, fornecedores e até clientes podem ceder à tentação de tomar inspiração no sucesso de um negócio. Até aí, tudo bem. O problema começa quando se copia descaradamente. Ou quando são usados dados sigilosos de um patrão (ou ex) para obter vantagens de mercado, como roubar contratos e ideias.
A empresa lesada pode recorrer à Lei de Propriedade Industrial, que prevê punições para a concorrência desleal, com reparações materiais e penas de três meses a um ano de detenção. “Qualquer prática desonesta relacionada ao comércio ou ato danoso praticado por alguém no âmbito dos negócios podem ser enquadrados nesse gênero”, afirma Mauro Sodré Maia, procurador-geral do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Mas para ganhar uma indenização é preciso reunir provas, como documentos, e-mails e testemunhos de clientes. E se preparar para uma longa batalha jurídica.
No Brasil, as leis de patentes e de direitos autorais preveem proteção para marcas, produtos, obras culturais, softwares, desenhos industriais, design gráfico e de objetos. Ideias, métodos e sistemas, por outro lado, não têm salvaguarda. Na prática, significa que, em nome da livre concorrência, é possível copiar um conceito, como abrir um estabelecimento nos mesmos moldes de outro já existente.
Para Maia, as empresas precisam se antecipar aos problemas se quiserem se proteger. “O empregador tem de estabelecer no contrato de trabalho todas as condições da relação com o funcionário, inclusive o tratamento do conhecimento que este venha a produzir.” Se o empregado não tiver sido contratado especificamente para desenvolver um produto, pode ganhar direito de ser coautor de uma patente.
O advogado Carlos Max Oliveira da Silva, especialista em propriedade intelectual do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello, acrescenta que os contratos com funcionários, terceirizados e fornecedores devem prever cláusula de proteção. “A empresa pode incluir nos documentos um texto no qual proíbe o uso de seu capital intelectual ou de qualquer informação sobre seu negócio para fazer concorrência. Algumas companhias estabelecem até períodos de quarentena remunerada para seus executivos não abrirem negócios rivais ou se transferir.”
A segurança jurídica, entretanto, não é a única maneira de lidar com esse tipo de problema. Com 12 anos de mercado e uma média de 70 eventos por mês, a Madri Festas acostumou-se a ver suas ideias plagiadas. “Nossa exposição é muito grande. Inventamos o Teatro Livro, que é uma peça encenada dentro de um livro-cenográfico gigante, e em poucos meses vi um produto igual aparecer no mercado”, diz Márcia. Como é impossível evitar que os concorrentes se inspirem nas novidades, ela encontrou na rápida reciclagem das brincadeiras a melhor maneira de compensar a falta de proteção.
Após o episódio da ex-funcionária concorrente, Márcia passou a estimular o empreendedorismo interno. Ela incentiva e orienta os colaboradores que desejam abrir seus próprios negócios na área. “Melhor ter um amigo que um competidor”, afirma.
O que as legislações informam sobre o tema
MARCAS E PATENTES
A Lei da Propriedade Industrial 9.279/96, como o nome revela, diz respeito apenas a invenções, marcas e desenhos industriais. A legislação não estende o direito de patente a ideias, descobertas e teorias científicas, métodos matemáticos, contábeis, financeiros, comerciais, publicitários e educativos ou ainda apresentações e jogos. É possível patentear invenções, novos produtos e desenhos industriais. O titular tem direitos exclusivos de fabricação, comercialização, importação, uso e venda durante um período determinado — por exemplo, 20 anos. O registro da marca, por sua vez, protege o símbolo da empresa contra cópias e até mesmo de nomes e desenhos parecidos que causem confusão no mercado. O órgão que regulamenta as patentes e as marcas é o Inpi.
DIREITOS AUTORAIS
A Lei 9.610/98 protege obras literárias, artísticas ou científicas contra plágio e reprodução indevida. O texto inclui entre as criações registráveis, os softwares. Os programas de computador têm ainda uma legislação específica — a Lei 9.609/98 — que regulamenta as garantias e os usos comerciais. Da mesma forma que a Lei de Propriedade Industrial, ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos e projetos ficam de fora.
CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA
Nos contratos de trabalho, de serviços terceirizados ou nos acordos com fornecedores,o empreendedor pode incluir um item de resguardo em relação às informações estratégicas, comerciais e financeiras que podem dar alguma vantagem à concorrência, como, por exemplo, preços de projetos, listas de clientes ou métodos. Algumas companhias incluem um período de quarentena.
CONCORRÊNCIA DESLEAL
A prática é crime previsto na Lei de Propriedade Industrial. As penas variam de três meses a um ano de prisão ou multa, conforme decisão da Justiça. Casos como os da Madri e da Marte, em que funcionários abrem firmas concorrentes sem sair da empresa, podem ser enquadrados na legislação — assim como quando dados sigilosos são usados para beneficiar rivais. No entanto, um ex-contratado que copia serviços ou produtos não pode ser processado, a não ser que o antigo patrão esteja protegido por patentes ou por cláusula de não-concorrência.
Fonte: Revista PEGN