O trailer de “Battlefield 3”, mais recente capítulo da série de jogos eletrônicos que é um sucesso de vendas, preenche a tela da sala de cinema usada pela Electronic Arts (EA) para mostrar seus videogames de estilo cinematográfico. “Você pode pilotar F-18s, helicópteros de ataque Cobra e tanques no mesmo espaço, ao mesmo tempo!”, diz o executivo da EA Frank Gibeau por cima dos ruídos, enquanto soldados que parecem reais rosnam, xingam e atiram para abrir passagem em meio a uma cidade arrasada. “É uma guerra em todos os fronts!”
“Battlefield 3”, a ser lançado ainda este ano, é tudo o que os grandes jogos, projetados para os consoles PlayStation 3, Xbox 360 e Wii, deveriam ser: uma superprodução espetacular e envolvente.
Poucos minutos depois, Gibeau, responsável pelos jogos da EA que não são baseados em esportes, anima-se igualmente com o “Battlefield Heroes”, que está longe de ter esse poder cinematográfico. É uma versão resumida do jogo, em animação, que as pessoas podem jogar gratuitamente em um site específico na internet. Cerca de 7 milhões de pessoas se inscreveram até agora no site e muitas acabam gastando dinheiro em recursos adicionais para incrementar seus personagens – os mesmos que usam no jogo em aparelhos de videogame. Em uma recente oferta por tempo limitado, a EA vendeu 20 mil papagaios virtuais, que ficam sobre o ombro dos soldados, a US$ 10 cada. Nos últimos 12 meses, a empresa vendeu US$ 48 milhões em bens e serviços digitais relacionados aos jogos “Battlefield”. “No passado, esse número seria de zero dólar”, diz Gibeau.
O executivo-chefe da EA, John Riccitiello, defende a mudança de foco para os jogos digitais há dez anos. Não foi fácil vender a ideia. Os investidores puniram as ações da empresa, enquanto viam a EA perder dinheiro e pensar grande, sem muito para mostrar. As ações mergulharam no fim de 2008 e, desde então, ficaram rondando os US$ 20. Agora, a estratégia parece estar surtindo efeito. Em 4 de maio, a EA divulgou vendas de US$ 833 milhões em artigos digitais no ano encerrado em março, 46% a mais que no mesmo exercício anterior. O número superou as estimativas dos analistas, em torno de US$ 750 milhões. Agora, as vendas de artigos virtuais representam 22% da receita total, de US$ 3,8 bilhões. Para este ano, a previsão é superar a marca de US$ 1 bilhão em vendas digitais. “Há dez anos, pensei que ele era um completo idiota”, diz Michael Pachter, analista da corretora Wedbush Securities. “Agora, ele parece um visionário.”
Um pouco de presciência viria a calhar, neste momento, para o mercado de consoles de videogames. No período de 12 meses concluído em março, o lucro da Nintendo caiu para o menor patamar desde 2004; a série “Guitar Hero”, outrora um grande sucesso, foi colocada “em espera”, segundo sua fabricante, a Activision Blizzard. Recentemente, hackers tornaram a Sony um motivo de piada na internet ao entrarem na rede do PlayStation e derrubá-la. Grande parte da audácia nos dias de hoje vem das empresas que fazem jogos para o Facebook e telefones celulares, como a Zynga (fabricante do “FarmVille” e do “CityVille”) e a Rovio (“Angry Birds”).
Riccitiello, da EA, diz que o “FarmVille”, o “Angry Birds” e outros jogos do tipo ajudaram a expandir o número mundial de jogadores de cerca de 200 milhões, há dez anos, para mais de 1 bilhão, atualmente. Os jogadores não são mais basicamente homens entre 18 e 34 anos – famílias agora discutem sobre suas fazendas virtuais na mesa de jantar; mulheres de meia-idade se distraem em seu tempo livre arremessando pássaros em porcos. Como resultado, os jogos de consoles de videogame, que costumavam representar cerca de 80% das vendas do setor, agora estão em 50%. “Não é que o console esteja perdendo o brilho”, diz Riccitiello. “As outras coisas é que estão crescendo de forma impressionante.”
A EA ainda investe em jogos do tipo “atire em todo mundo” como os da série “Battlefield”, na série de jogos eletrônicos de futebol americano “Madden” e em outros grandes sucessos, que custam US$ 50 nas lojas. A companhia só quer que os usuários continuem a jogar esses títulos não importa em que parte estejam da esfera digital, seja nos consoles, na internet, no Facebook, nos telefones celulares. O desejo de Gibeau é que o jogador que inicia uma batalha em casa continue guiando seu guerreiro no computador portátil quando for a uma cafeteria, para ganhar ouro virtual em desafios simplificados. Depois, que prossiga na versão para telefones celulares, organizando seu armamento e poções, matando tempo enquanto está no ônibus.
A EA, no meio tempo, vende aos jogadores roupas, novos níveis [dos jogos], novas habilidades e qualquer coisa que se possa imaginar. A edição para aparelhos de videogame de seu popular jogo de futebol “Fifa”, deixa o usuário criar e equipar seus próprios times de estrelas. Cerca de 2,5 milhões de pessoas baixaram 850 milhões de itens – jogadores, técnicos, auxiliares, sessões de treinos – tudo disponível a certo preço. Três milhões de pessoas inscreveram-se para usar o “Fifa Superstars”, versão do jogo para o Facebook, e criaram 12 milhões de clubes de futebol. Somando tudo, os usuários gastaram US$ 100 milhões em bens virtuais de futebol em 2010.
Fazer a mudança para plataformas múltiplas não é barato. Jogos de séries como “Battlefield” precisam de centenas de programadores e “bem mais de US$ 10 milhões” para criação e venda dos produtos, segundo Eric Brown, diretor de finanças da EA (as versões para internet e telefones celulares exigem números de cinco a seis dígitos, afirma o executivo). Além disso, a companhia gastou centenas de milhões de dólares tentando construir a infraestrutura necessária para respaldar sua estratégia digital para os aparelhos de videogame. A empresa teve de elaborar um sistema de cobrança capaz de acompanhar as pessoas por vários mundos digitais, dando-lhes a sensação de ter um único local de centralização de todos seus feitos e posses virtuais.
A EA fez o investimento enquanto lutava com jogos que foram mal recebidos e uma estrutura de custos inchada. A empresa precisava de um “choque no sistema”, diz Riccitiello, algo que ele promoveu cortando 20% do quadro de funcionários nos últimos três anos. No fim das contas, a EA transformou-se de uma criatura lenta e de hábitos arraigados – jogos para computadores pessoais e PlayStation em primeiro lugar – em uma organização ágil, preparada para encarar as novas plataformas de jogos. Nos últimos 12 meses, passou de presença nula no iPad e no iPhone, da Apple, para a programadora líder de jogos, com títulos como “Tetris” e “Scrabble”. Riccitiello diz que pretende entrar no mercado do Facebook de forma bem mais grandiosa, apresentando a empresa a uma nova audiência. “A Zynga provavelmente tem 75% da plataforma do Facebook neste momento”, afirma. “Quero uma grande porção disso.”