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Produção personalizada com Impressão Tridimensional

A ligação entre a beleza etérea de Veneza e as certezas inflexíveis do sistema de produção industrial pode não parecer nada óbvia. Mas as conexões começam bem no centro dessa cidade que fica numa ilha – em uma série de edifícios guardados por um par de leões de pedra, a poucos minutos de caminhada da Piazza San Marco.

Protótipo de edifícios em carbono e fibra de vidro feito sob impressão 3D

Assim como muitas outras instalações industriais antigas, o Arsenal de Veneza é hoje usado principalmente como centro cultural. Mas foi ali, há mais de 500 anos, que a indústria moderna nasceu. O estaleiro foi o primeiro usuário significativo da produção de peças padronizadas – 16 mil pessoas trabalhavam no local em 1500, cuidando de tudo, de armas de fogo a grandes navios de madeira, alguns dos quais eram produzidos em questão de dias.

As peças padronizadas são uma das influências mais importantes por trás do desenvolvimento do sistema industrial do século XXI. O processo torna possível a produção de 1 bilhão de artefatos que sustentam e melhoram a vida humana, e emprega cerca de 10% da população mundial ativa.

Mas os fabricantes sempre enfrentaram um problema: como fazer itens novos e complicados, de maneira correta, em pequenas quantidades. A dificuldade sempre foi acomodar os objetivos opostos de velocidade e eficiência de um lado, e flexibilidade e variedade do outro.

Com a impressão tridimensional, máquinas produzem formatos complexos a partir de plástico e metal

O surgimento da “produção personalizada” promete resolver essa contradição. Usando projetos computadorizados, técnicas como a impressão tridimensional vão possibilitar a empresas baseadas em Birmingham ou Belize fabricar peças complicadas para produtos que vão de empilhadeiras a foguetes espaciais, que poderão ser montadas em praticamente qualquer lugar. As opções de escolha do cliente em relação à aparência dos artefatos vão aumentar, com apenas um comprometimento mínimo da qualidade ou do custo.

Esse acontecimento coloca o mundo no limiar da quinta era da produção industrial: a da “personalização em massa”. Sob as impressões 3D – também chamadas de “produção aditiva” – máquinas baseadas nos avanços da eletrônica, tecnologia a laser e química produzem formatos complexos a partir de plásticos granulados ou metal.

“Ela contribui para uma nova indústria que vai reduzir imensamente o vácuo entre o design e a produção”, afirma Ian Harris, do Additive Manufacturing Consortium, um centro de estudos dos Estados Unidos voltado ao setor industrial. “Os fabricantes poderão dizer aos clientes ‘diga-nos o que você quer’ e fazer produtos específicos para eles.”

A personalização em massa abre as portas para um período de muito mais criatividade. Grandes e pequenas empresas verão o fim das restrições inerentes ao sistema de peças intercambiáveis que começou em Veneza. A padronização permitiu uma variedade incrível de produtos – contanto que eles fossem apoiados em um “cardápio” fixo de componentes. Caso contrário, todos os benefícios em termos de velocidade, precisão e preço eram perdidos.

O Arsenal de Veneza: pionerismo na fabricação de peças padronizadas

Essas restrições serão reduzidas, segundo David Abbott, da General Electric – o grupo americano que está desenvolvendo aplicações para as novas técnicas, ao lado de companhias como a Siemens e a BMW, da Alemanha; a Honda, do Japão; a EADS, da Europa; e a Rolls-Royce, do Reino Unido. Máquinas de produção aditiva que já estão sendo feitas por empresas como a Stratasys e a Z Corporation, dos Estados Unidos, a EOS, da Alemanha, e a Arcam, da Suécia, serão fundamentais nesse processo.

“A nova tecnologia vai melhorar imensamente a flexibilidade das indústrias no projeto de novas peças e produtos por uma série de motivos – sejam eles a maior economia no consumo de combustível de uma turbina de gás, seja na mudança no visual de um utensílio de cozinha por razões puramente estéticas”, afirma Abbott. Os desenvolvedores de produtos poderão fazer projetos “off piste”, ou não usuais, ganhando mais liberdade para criar produtos em áreas que vão de equipamentos médicos a produtos eletrônicos de consumo.

As técnicas também nivelam potencialmente a concorrência para aqueles que “perderam o trem” nos períodos anteriores de desenvolvimento industrial. O professor Brent Stucker da Universidade de Louisville, no Kentucky, diz que um dos efeitos mais significativos será uma redução no grau de infraestrutura industrial convencional – máquinas operatrizes, equipamentos de teste e máquinas relacionadas à produção – de que as empresas e os países necessitam quando querem ser considerados concorrentes industriais de peso.

“Elas tornarão mais fácil para os países em estágios iniciais de desenvolvimento industrial – como os da África – contornarem o caminho convencional em direção à criação de capacidade de produção, e fazer uma contribuição válida ao setor industrial global muito mais cedo do que poderiam considerar possível”, diz o professor Stucker.

Essas oportunidades também deverão estar abertas para indivíduos espertos, afirma o professor Stucker. Os grandes e bem organizados fabricantes globais continuarão tendo vantagens competitivas, mas as novas ideias vão colocar novamente em destaque os trabalhadores que lidam com a produção artesanal – uma raça que está quase extinta na maior parte das nações ricas desde o fim dos ferreiros.

Na era da produção personalizada, os primeiros produtos que provavelmente serão feitos de uma maneira rotineira serão itens que precisam encaixar-se nas características biológicas únicas de um indivíduo. Eles incluirão implantes de ossos e dentes, aparelhos de audição, stents para desbloquear artérias e instrumentos cirúrgicos especializados.

Esses produtos provavelmente serão seguidos por objetos em que as preferências individuais são importantes, de itens de moda e joias a sistemas de iluminação e móveis. A personalização em massa também vai beneficiar os fabricantes de produtos industriais essenciais, mas que frequentemente não são notados, nos quais a necessidade de variação está ligada ao trabalho de engenharia. Fabricantes de válvulas, por exemplo, já produzem até 500 mil variedades para atender às necessidades de procedimentos operacionais flexíveis de diferentes setores industriais.

A humanidade chegou a esse estágio depois de uma jornada que começou por volta de 1.200 A.C., com o uso de técnicas artesanais para fazer produtos que iam de potes e panela a pontas de flechas. Durante essa “personalização em baixo volume”, tudo era feito em uma base unitária. Mesmo com as técnicas semiformalizadas, como a usada na produção de vidros, os procedimentos eram lentos e caros.

A padronização preparou o caminho para a produção das partes e peças que podem ser trocadas, o que, no fim do século XVIII, no Reino Unido, ajudou a estimular a primeira revolução industrial – o conjunto de eventos que estabeleceu a produção industrial como a força por trás do progresso da civilização.

Os sistemas de produção baseados nas peças padronizadas foi inserido em setores como o da produção de máquinas e o de engenharia industrial. Mesmo assim, o progresso não foi fácil. Na década de 1890 a maioria dos setores continuava apegada às técnicas artesanais. A introdução dos procedimentos necessários à padronização de baixo volume envolvia custos consideráveis – investimentos em máquinas operatrizes e design -, que mal podiam ser justificados, a menos que as economias resultantes também fossem elevadas. E para isso acontecer, os produtos precisavam ser produzidos em volumes maiores – algo que ocorria somente quando a demanda aumentava substancialmente mais do que costumava ser o caso na época.

Foi o fabricante de automóveis Henry Ford que adaptou o sistemas de partes permutáveis criado em Veneza às necessidades do começo do século XX. Ele fez isso aumentando a escala sob a qual funcionava a produção de peças padronizadas. Ele também aproveitou as novas ideias sobre administração e procedimentos de fábrica, criando no processo a “padronização de alto volume” – o terceiro grande estágio da industrialização. Os benefícios podiam ser vistos no preço do Ford Model T, que caiu de US$ 850 em 1909 para US$ 690 em 1912, e para menos da metade disso uma década mais tarde. Foi uma grande propaganda para a “produção em massa” – um processo que outros, de fabricantes de aspiradores de pó a turbinas geradoras de energia, rapidamente adotaram.

Os carros da Ford eram caracterizados pela qualidade e pelos preços relativamente baixos, mas também pela inflexibilidade do design. (É memorável a oferta que Henry Ford fazia aos clientes, de que eles podiam ter “um carro pintado de qualquer cor… desde que seja preto”.) A padronização em grandes volumes serviu para a fabricação de produtos iguais; não funcionou tão bem com produtos que eram diferentes.

No entanto, alguns imaginavam se não seria possível adaptar o sistema. Entre eles estava Peter Drucker, um teórico da administração que em 1973 desafiou empresas a encontrar meios de usar o menor número possível de componentes permutáveis para fazer o maior número possível de produtos. Os administradores da Toyota aceitaram o desafio e encontraram uma maneira de atender às exigências dos clientes – aquela determinada cor ou o estilo do para-choque – com uma série de procedimentos de montagem, todos eles baseados em peças padronizadas.

Assim foi criada a quarta era da produção industrial. O sistema de produção da Toyota, ou mais genericamente, a “personalização de alto volume”, é o sistema que deu ao mundo o formato flexível em que todos os tipos de produtos industriais e de consumo são feitos em grande escala. Embora tenha se mostrado um enorme sucesso comercial, o uso contínuo das peças padronizadas torna difícil realizar mudanças fundamentais no design dos produtos estabelecidos. Com a personalização em massa, o mundo terá a oportunidade de criar, a partir de material básico, peças elaboradas de acordo com os princípios criativos preferidos dos projetistas e fabricantes.

O que virá em seguida? Apesar da promessa da produção personalizada, os fabricantes continuarão manipulando materiais em uma base molecular, como as pessoas fazem há milênios. O desafio agora é como eles poderão trabalhar em um nível submolecular, moldando materiais na escala do nanômetro – equivalente a um bilionésimo de metro.

O desafio foi lançado pelo físico americano Richard Feynman em uma famosa palestra feita em 1959: “Não tenho medo de considerar a questão final: se acabaremos conseguindo, em um futuro maravilhoso, dispor dos átomos da maneira que quisermos; os próprios átomos, em todos os aspectos!”

Os comentários de Feynman levantam a possibilidade de se arranjar os cerca de 100 elementos químicos disponíveis em novas moléculas para a criação de um número enorme de materiais com os quais, no momento, só podemos sonhar.

Dado o ritmo atual de desenvolvimento da nanotecnologia, parece provável que a questão levantada por Feynman venha a ser respondida por volta de 2050, quando a sexta era da produção industrial, a “nanoprodução” no mercado de massa, estaria pronta para começar. Os 3 mil anos de evolução do sistema global de produção industrial ainda têm muitas oportunidades para prosseguir.

Fonte: Valor

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