Outro dia participei de um evento na novíssima sede do Google em Covent Garden. Assim como os demais escritórios da companhia, ele atende todas as necessidades que jovens descolados supostamente têm, com seu estúdio de dança, banheiros cor de laranja reluzentes e canteiros para o cultivo de hortaliças.
“Simplesmente irado”, é o veredito do escritório de design Penson. Parece um pouco excessivo, mas pelo menos é uma observação correta. O escritório é irado – assim como um deus vingativo também é. Nos minutos que passei dentro do elevador meu coração começou a se encher de admiração e terror.
Antes do falatório, fomos conduzidos a uma sala sem janelas que parece um cruzamento de uma cela acolchoada de um hospital de loucos com a antessala de um bordel. Não há janelas e os sofás verdes cheios de botões combinam com as paredes, também acolchoadas até o teto. A porta é fechada com uma roda de direção, como se fosse o timão de um navio, e uma vez lá dentro comecei a ficar tão angustiada que tive que pedir para sair.
As áreas de uso comum são mais arejadas, mas não menos opressivas. Lustres variados e cheios de franjas pendem do teto. Há muito papel de parede texturizado e um aparentemente paradoxal campo de ‘croquet’ com grama artificial AstroTurf. Há também cadeiras de balanço e poltronas de encosto alto. Nada é parecido com qualquer outra coisa. E em todo lugar há aquelas estranhas paredes acolchoadas. Só posso supor que elas são uma medida de segurança elaborada para impedir que as pessoas fiquem tão alucinadas com tanta pretensão a ponto de tentarem se machucar batendo a cabeça contra elas.
O visual geral, segundo as especificações oficiais, é “despojado como a casa da vovó”, o que me pôs a pensar novamente. Por que projetar um moderno e caro escritório para ele ficar parecido com a casa da vovó, a menos que você mesmo não tenha tempo de visitá-la e precise de uma outra maneira para se lembrar dela?
Apesar destas surpresas, uma coisa é certa. O Google quer que todos os visitantes concluam que ele é diferente, cheio de manias, engraçado, criativo e, acima de tudo, descoladíssimo. Tal arrogância é uma variação da prática de se mostrar superior encontrada nas sedes tradicionais de empresas, que envolve uma competição com a quantidade de mármore exibido para provar poder e invencibilidade. O esforço do Google é igualmente nada sutil, e ainda menos bem-sucedido. O principal em ser descolado – conforme qualquer criança rica em idade escolar, e marginalizada, pode lhe dizer – é que o dinheiro sozinho não consegue transformar alguém em uma pessoa descolada.
O principal problema com o escritório não é só o fato de ele ser abominável. Ou fracassar na tentativa de ser descolado. O problema é que ele foi construído sobre as mentiras enormes que as pessoas contam. Na verdade, o prédio prova ser o inverso: com um projeto tão arrogante, as pessoas não se encaixam nele.
Em meu escritório chato e mal projetado, minha cadeira é simplesmente uma cadeira. Ela não tenta esnobar seu ocupante. Sou eu, e não o mobiliário, quem tem personalidade. Do mesmo modo, como o espaço que tenho é despretensioso, posso fazer com ele o que quiser. Se isso significa cobri-lo com embrulho de sanduíches, capas de chuva encardidas e páginas de jornais velhos, que seja.
Talvez eu seja velha demais para tanta coisa descolada – afinal, o trabalhador médio é mais de duas décadas mais jovem do que eu. Mas nesse caso, minha filha também é muito velha – e ela mal fez 20 anos. Ela disse que o lugar parece uma sala de espera de um hospital particular onde alguém enlouqueceu comprando coisas coloridas para distrair crianças doentes.
Tudo isso seria perdoado se houvesse uma comprovação de que tal clamor visual torna as pessoas mais criativas. Sabemos que em escritórios onde as pessoas não conversam, a criatividade é menor. As ideias, conforme disse o escritor Matt Ridley, precisam de um lugar para “fazer sexo”. Mas o Google levou isso muito ao pé da letra. Todos aqueles tecidos de quarto de dormir parecem convidar não só à cópula das ideias, mas também dos funcionários.
Assisti há pouco uma conferência sobre tecnologia, entretenimento e design, proferida por Steven Johnson, em que ele afirma que o melhor lugar já visto para as ideias se encontrarem eram os cafés londrinos da metade do século XVII. Uma pintura contemporânea de um deles mostra um piso de tijolos, uma mesa, algumas cadeiras, alguns cafés e muita gente, além de muita luz natural.
Não há mistérios em relação ao que cada um de nós quer de um escritório moderno. Precisamos de luz, lugares para conversar, uma mesa própria, uma temperatura em que você não congele nem morra de calor, e uma recepção calorosa quando você chega. Isso não significa ter uma imitação da casa da vovó, paredes acolchoadas ou AstroTurf. Significa ter um segurança que olhe para você de manhã, quando você chega, e diga: “Olá, Lucy”.
Lucy Kellaway é colunista do “Financial Times”. Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor