Ninguém confundiria uma empresa de tecnologia com uma editora de livros, mas ambas têm uma coisa em comum: sua terceirização no exterior. Assim como a Apple e outros importantes fabricantes de aparelhos eletrônicos recorrem a empresas como o Foxconn Technology, com sede em Taiwan, para a montagem de seus produtos, as grandes editoras de Nova York enviam manuscritos ao exterior para sua produção. “Há, literalmente, dezenas de milhares de pessoas na Índia, nas Filipinas e em outras partes do mundo incumbidas de formatação e composição”, afirma o empresário Matt MacInnis.
MacInnis é o fundador e executivo-chefe da Inkling, empresa novata de São Francisco que, nos últimos dois anos, criou cerca de 120 versões de livros populares ricos em multimídia para o iPad. Ao pesquisar o funcionamento do mundo editorial, MacInnis, ex-funcionário da divisão educacional da Apple, diz ter ficado “perplexo” diante da “intensa ineficiência” na produção de livros. Para criar um gigante de 4 mil páginas como “Harrison´s Principles of Internal Medicine”, diz ele, os editores e os denominados otimizadores da cadeia de suprimento de conteúdo como a Innodata e a Aptara enviam volumosos manuscritos de um lado para outro, diversas vezes, através do mundo.
Em fevereiro, MacInnis lançou o “Inkling Habitat”, software que facilita a colaboração e produção de e-books. O programa é semelhante ao InDesign, popular programa da Adobe empregado para a formatação de produtos impressos ricos em imagens, mas fica armazenado na nuvem, de modo que qualquer pessoa em qualquer lugar pode trabalhar no mesmo projeto. E o programa é especificamente voltado para a produção de e-books repletos de multimídia para iPads – inclusive com vídeos e arquivos de música. Um exemplo é o caso da O’Reilly Media, que levará seus mais populares manuais “How To” (como fazer), sobre temas de tecnologia para o iPad, usando o “Inkling Habitat”. Após as lições de JavaScript, o leitor encontra um box onde pode testar e executar suas próprias tentativas de programação diretamente no e-book.
MacInnis caracteriza o Habitat como “uma infraestrutura para produção de conteúdo digital em escala” e torce para que ele incentive uma enxurrada de e-books para usuários de iPad. A maioria dos livros eletrônicos hoje disponíveis consiste principalmente de texto, porque é relativamente simples distribuir texto ao longo de páginas definidas por um gabarito digital. Livros de culinária, de viagens, didáticos e outros tipos de obras ricos em gráficos e imagens tendem a ser ainda comprados em forma impressa porque são mais difíceis de converter para um formato digital. Mas, em seu conjunto, os livros escolares e profissionais, como são conhecidos, são aproximadamente tão lucrativos como títulos populares de não ficção e ficção, que geraram US$ 13,9 bilhões em receitas em 2010, segundo números mais recentes divulgados pela Association of American Publishers, uma entidade representativa do setor.
Algumas editoras têm produzido aplicativos experimentais para smartphones ou tablets, como a versão de “How to Cook Everything” (como cozinhar tudo, em tradução livre), de Mark Bittman, para iPhone. Mas a contratação de desenvolvedores e designers para a realização de projetos pontuais é cara. “Por que eles gastariam US$ 30 mil desenvolvendo um aplicativo pelo qual vão cobrar US$ 1,99?”, questiona Michael Norris, analista-sênior da Simba Information, que acompanha o setor editorial. O Inkling Habitat poderia ser um instrumento para viabilizar economicamente o trabalho das editoras”.
A Inkling está oferecendo o software gratuitamente, mediante a condição de que qualquer livro produzido usando-o seja vendido em sua loja on-line, onde a empresa participa com um percentual sobre cada venda. [A comissão varia de editora para editora, mas fica frequentemente em torno de 30%, de acordo com MacInnis. As editoras têm liberdade para distribuir seus e-books produzidos com o Habitat também em outros canais de venda.] A nova empresa recebeu US$ 17 milhões em financiamento em agosto, além de investimentos recebidos anteriormente de empresas de capital de risco, entre elas a Sequoia Capital.
O Habitat põe a Inkling em competição com a Apple, antigo empregador de MacInnis. A empresa de Cupertino, Califórnia, lançou sua própria ferramenta para a produção de e-books prontos para “exibição” nos iPads – o iBooks Author -, em meados de janeiro. MacInnis não se mostra preocupado. “Não há ferramentas de colaboração no iBooks Author e todos os dados ficam armazenados em sua área de trabalho”, diz ele. “Nenhum conteúdo relevante de aprendizagem já foi criado por uma pessoa sentada sozinha diante de seu computador”.
Fonte: Valor