O capitão Jean-Luc Picard, representado por Patrick Stewart na versão da série de TV “Jornada nas Estrelas” na década de 1990, costumava se dirigir a um gabinete na espaçonave “USS Enterprise” e dizer: “Chá. Earl Grey. Quente”. Uma xícara fumegante se materializava como que por mágica, conforme lembra Chris Anderson em “Makers: The New Industrial Revolution”. O gabinete chamava-se “Copiador” (“replicator”) e produzia alimentos juntamente com pratos, guardanapos e talheres.
Ainda não conseguimos fazer chá com impressoras 3D, mas podemos fazer a xícara, o pires e a colher. Impressoras 3D, cortadores laser e máquinas fresadoras estão entre nós e ficam mais baratas a cada mês. Há até mesmo uma máquina chamada “The Replicator”, idealizada como um projeto de fonte aberta e comercializada pela MakerBot Industries, uma companhia com sede no Brooklyn, em Nova York. Custa US$ 1.750, cabe em uma mesa e imprime projetos, feitos pelo usuário ou baixados da internet, com o uso de um bocal parecido com os existentes em impressoras a jato de tinta, aspergindo sucessivas camadas de plástico derretido em uma plataforma móvel. À medida que cada camada de plástico é depositada, uma caneca feita desse material começa a se erguer. Dependendo do tamanho, o trabalho pode ser concluído em 45 minutos.
Os entusiastas estão se aglomerando em torno dessas máquinas, assim como fizeram os “hackers” em torno dos primeiros computadores pessoais. Eles vão de cientistas que querem imprimir órgãos a projetistas que querem imprimir protótipos instantâneos para empresas interessadas em personalizar pequenas quantidades de produtos. Grosso modo, eles se intitulam criadores (“makers”). Reúnem-se em workshops coletivos chamados “maker spaces”, como o Tech Shop, para compartilhar ferramentas e conhecimentos. Anderson, editor-chefe da revista “Wired”, classifica esses criadores como futuros industrialistas que vão comandar uma nova era de produção manufatureira.
Assim como a internet mudou, redistribuiu e acelerou a difusão da informação – e criou e destruiu empresas ao longo do caminho -, Anderson afirma que a produção e o design “desktop” vão mudar a produção industrial, transformando-a, de um processo enfadonho baseado no capital, em um processo flexível baseado na criatividade. Em sua avaliação, a mudança terá uma importância econômica muito maior. A internet responde por menos de 20% do PIB dos Estados Unidos, segundo Anderson. A grande maioria da produção econômica americana tem origem na produção, transporte e venda de bens físicos.
Aos olhos de Anderson, será um movimento amador. Ele escreve: “É exatamente o que aconteceu com a internet, que foi primeiro colonizada pelas companhias de tecnologia e mídia, que a usaram para fazer melhor o que já faziam. Então, os avanços em softwares e hardwares facilitaram o uso da internet para as pessoas comuns (ela foi “democratizada”), que devolveram a oportunidade com suas próprias ideias, conhecimento e energia. Hoje, a vasta maioria da internet é feita por amadores, semiprofissionais e pessoas que não trabalham para grandes companhias de tecnologia e mídia”.
A revolução do “faça você mesmo” ainda não provocou uma grande mudança na vida diária. Mas está revolucionando coisas como os acessórios para as miniaturas da Lego. Anderson escreve sobre a companhia iniciante BrickArms, que começou quando o engenheiro de softwares Will Chapman quis fazer armas de aparência realista para os figurinos do brinquedo Lego de seus filhos. Hoje, ele produz em massa pequeninos rifles M-16, bazucas e armas de cano curto para crianças do mundo inteiro. Anderson cita Chapman, que diz: “Consigo mais receita em um dia meio parado na BrickArms do que sempre consegui como engenheiro de softwares”.
A revolução de Anderson não envolve apenas impressoras 3D, é claro. Ela trata de a tecnologia permitir o florescimento de ideias das pessoas de diferentes maneiras. A internet permite a um inventor encontrar investidores no Kickstarter e engenheiros nos sites de mídia social, e a apresentar seus projetos para propostas em sites como o MGF.com, onde oficinas mecânicas de todas as partes do mundo fazem propostas para produção. Anderson também é um criador. Em 2007 ele fundou uma companhia chamada DIY Drones, que vende mini-helicópteros e aviões com piloto automático programável.
A maior parte do trabalho de design vem de uma comunidade online, cujos integrantes atuam, ao mesmo tempo, como clientes e engenheiros. A companhia conseguiu uma receita de US$ 3 milhões no ano passado e acaba de abrir uma fábrica em Tijuana. O presidente-executivo da DIY Drones, Jordi Muñoz, 26, foi um dos designers e clientes originais de Anderson. Muñoz conseguiu um diploma universitário, mas também não precisou. “Eu não pedi um currículo”, escreve Anderson. “Não foi necessário. Aquele sujeito já havia mostrado seu valor fazendo coisas extraordinárias.”
Em uma escala maior, Anderson cita a Local Motors, um novo tipo de companhia automobilística com sede em Chandler, Arizona, que coletivizou o projeto de um carro de corrida chamado Rally Fighter. O veículo é ao mesmo tempo um “Frankencarro” e um objeto original. O motor e a transmissão são da BMW e da General Motors, e os eixos, de uma pick-up Ford F-150. O carro é parcialmente montado pelos donos como parte do negócio, o que também o transforma em um tipo de kit. O capítulo em questão é em parte montado tendo como base “Na próxima revolução industrial, os átomos serão os novos bits”, artigo que Anderson escreveu para a “Wired” em 2010.
Então, o que Anderson fez aqui? É difícil discordar dele e da perspectiva em que coloca os criadores – trata-se de algo muito legal e vai mudar as coisas. Mas é difícil concordar com o entusiasmo que ele parece exigir. A inspiração perde força no fim do livro. É como participar de muitas palestras na internet. O próprio Anderson se trai em toda parte ao se mostrar um pouco entediado com o trabalho duro de montar uma perspectiva muito animadora.
O livro está cheio de declarações como “em resumo, o Maker Movement chegou”. Ele termina o primeiro capítulo não com seus próprios pensamentos, mas com uma longa citação de outra pessoa, Cory Doctorow, editor-adjunto do blog “Boing Boing”. Doctorow é também um evangelista para os partidários do “faça você mesmo”, e seu livro, conforme Anderson confirma, também é intitulado “Makers”.
Ao final do “Makers” de Anderson, fica quase fácil demais imaginá-lo diante de seu próprio Copiador vestindo um traje justo, exibindo toda a seriedade de Patrick Stewart e ordenando: “Livro. DIY Movement. Inspirador”. E então ele o tira da máquina.
“Makers: The New Industrial Revolution”
Chris Anderson. Editora: Crown Business. 257 págs., US$ 26,00
Fonte: Valor