É final de tarde no Parque Flamboyant, na cidade de Goiânia, e Luís Paiva relata que já fez de tudo: já foi gerente hoteleiro, biólogo, estudou um pouco de Administração até chegar, finalmente e aos 32 anos, ao mundo dos videogames. Foi, e continua sendo, um longo e tortuoso caminho, mas ele folga em saber que agora está no caminho certo e fazendo aquilo que realmente gosta.
A história dele é parecida com a dos colegas Daniel Alvares, Graciano Godoy e Guilherme Zafred. É o que conta Daniel que passou por Administração e Design gráfico: “A área de jogos sempre foi o que eu realmente queria. Desde o Ensino Médio eu procurei faculdade na área, mas não existia, se existia, era uma ou duas no Brasil e era caríssima. Mesmo na administração eu pensava: vou aprender coisas para abrir o meu estúdio, ou no design, aqui vou aprender a criar desenhos que posso usar nos games, então games sempre foram a ideia”.
Para Graciano foi pior ainda: ele passou por quatro graduações antes de se encontrar. “Eu fiz Análise e Desenvolvimento de Sistemas quando era o CEFET por uns dois semestres, saí e fui fazer Psicologia, fiquei até o quarto semestre. Aí saí, fiquei à deriva pensando no que ia fazer, mas sempre ficava jogos na minha cabeça. Já tinha visto entrevistas sobre o mercado, mas nunca tinha levado a sério. Pensava, isso, em Goiânia ainda por cima? Sem chance. Aí eu fui pesquisar mais a fundo, faz cinco anos, e vi que começava a ter um mercado aqui e aí arrisquei e entrei para Análise e desenvolvimento de sistemas na PUC e fiquei lá até descobrir que ia ter o curso de Jogos Digitais”.
Os quatro se conheceram na faculdade de Jogos Digitais, a primeira em Goiás e com um curso de dois anos e meio. Juntos, eles formaram a Caesium Entertainment, estúdio caseiro com um jogo engatilhado para sair até o final do ano e outros dois projetos para dar sequência. Agora, Graciano e Daniel estão no último semestre e Luís abandonou o curso.
Eles possuem uma opinião dividida sobre a graduação. Por ser ainda muito nova, existem grandes barreiras práticas e acadêmicas mesmo na formação para quem quer se tornar um desenvolvedor: “a ideia do curso é muito interessante. Ele é rápido, focado mais na parte técnica, em programação, bem voltado para o mercado. Porém ele bate no problema de falta de experiência de mercado, com professores que nunca trabalharam na área ou que são de áreas afins e que acham que o mesmo que se aplica, sei lá, em engenharia de software, vai funcionar pra video games. E não vai”, explica Daniel.
Luís completa e explica porque preferiu seguir sozinho: “tudo em jogo é muito específico, seja administração, seja modelos 3D, tudo é específico. O que um professor de 3D aprendeu na faculdade de animação em cinema, o que ele sabe não funciona exatamente para videogames. É nessa barreira que a gente bateu e foi aí que decidi sair e aprender na prática. Nossa esperança é que as pessoas que vão se formar voltem para a faculdade como professores”.
Porém, eles salientam que experiência é fundamental. A única maneira de realmente aprender a fazer jogos é fazendo, algo meio rudimentar e de tentativa e erro, mas é uma questão de aprender a usar as ferramentas e desenvolvê-las: “eles mesmo assim precisam pegar experiência. Nós estamos aprendendo muita coisa todo dia. Com essa experiência, é possível construir um ambiente acadêmico muito bom”, disse Daniel.
De lá pra cá, outras graduações começaram a pipocar por todo o país, especialmente em universidades particulares, além de cursos curtos e técnicos em outras instituições de ensino. Se antes havia o problema de não ter opção, agora existe a dúvida de qual curso vale a pena. Será que estes cursos são bons ou apenas caça-níqueis? “São as duas coisas”, explica Luís, “Eles ensinam ferramenta, é importante entrar sabendo que você está aprendendo a mexer naquela ferramenta, que geralmente hoje ensinam Unity e Unreal Engine. Você vai aprender a mexer bem nelas, não vai necessariamente sair dominando o processo para se fazer um jogo”.
Daniel enxerga como um bom complemento: “Quando você faz design por exemplo, existem softwares específicos que todo mundo usa que não são usados na faculdade, mas você tem que aprender aquilo de qualquer jeito pra trabalhar. Então vamos supor, a Unity, pra um cara ir em um curso pra aprender a mexer em Unity, aí será ótimo, mas ele não vai sair de lá um produtor de games, mas dominar o programa já é de grande ajuda”.
Graciano ressalta que, se o jovem tiver dinheiro e disponibilidade, dá pra aprender praticamente tudo sobre desenvolvimento de games sozinho graças à internet, aos programas e à uma comunidade independente muito unida e receptiva: “existe material demais e dá pra ser autodidata. Se você tiver a vontade e a disponibilidade, pra ralar, dá pra aprender muita coisa sozinho, o pessoal nos fóruns ajuda bastante. Dá pra você aprender muita coisa sem certificação”.
Desde as primeiras semanas no curso, os quatro já pensavam em formar uma empresa e em começar a produzir o quanto antes. “A gente já era os mais velhos na sala, entramos já com a mentalidade de formar uma empresa, começar a trabalhar e a ganhar dinheiro”, conta Luís. Daniel completa: “a gente sabia que não ia formar e arrumar um emprego, então ia ter que ser tudo por conta própria e já nas primeiras semanas fui reparando em quem era bom no quê e fui chamando, tipo o Graciano, que era quem manjava mais de programação”.
E aí veio a decisão do nome: “duas horas de reunião no Skype pra decidir isso (risos)”, relembra Graciano. A pronúncia é “cesium”, sim, igual a césio. A ideia é associar Goiânia a uma coisa boa ligada ao elemento e não ao maior acidente radiológico do mundo: “a gente não tá zoando. A gente queria uma coisa que leva o nome de Goiânia pra fora e já tem 300 agências e estúdios com o nome Pequi, Cerrado. E césio é levado pra fora por causa do acidente radiológico, como algo horrível. Então resolvemos pegar este nome, em latim, que agora quando as pessoas lembrarem de Goiânia por nossos jogos, eles vão lembrar de Goiânia como algo bom”.
O primeiro projeto comercial do estúdio surgiu por acaso há um ano e só começou a ser desenvolvido um pouco depois. Embora seja o primeiro que irá sair, ele foi o terceiro projeto em que eles colocaram as mãos:”A gente primeiro participou do Inova Apps, bem amadorzão, a gente não sabia nada ainda e saímos até bem, tiramos notas muito boas em criatividade, diversão e inovação, sempre mais de nove”, conta Luís. “Mas ficamos com as notas baixas nas partes técnicas, em viabilidade por exemplo, quatro universitários fazendo jogos, não conseguimos dar provas o suficiente”, disse Graciano.
Foram uns três quatro meses nisso e depois eles uma galera da faculdade com a ideia de um jogo de sobrevivência. Foi um caos. Muita gente, sem salários, o projeto acabou se arrastando. A luz veio em uma semana: “rolou o Brazilian Independent Gaming, o BRINC, lá em Brasília da Behold Studio que promove jogos independentes pra galera aparecer. Então pensamos em montar algo pequeno pra gente poder participar, eu o Graciano e o Guilherme. Fizemos um protótipo em uma semana e levamos pra Brasília. Bem básico. Apresentamos lá, sem expectativa, e o jogo bombou lá. Já queriam saber onde que compra e a gente tava só com um protótipo lá e aí já fomos criando página no Facebook e tal pra facilitar o contato e começamos a trabalhar. Em maio do ano passado. E aí abandonamos o primeiro que tava dando problema e passamos a focar só no Rock’n Blow”, conta Luís.
Logo, cada um se focou em um ponto do jogo. Daniel explica: “O Graciano ficou mais focado nessa parte mais pesada da programação que ocupa todo o tempo. O guilherme era bom com a arte e já desenhava e deixamos a parte de arte inicialmente com ele. O Luís já sabia de gerência de projeto e isso foi ficando com ele e não tinha ninguém pra fazer 3D, então eu comecei, do zero, a aprender modelagem 3D, não tem nem um ano que eu estou modelando. Todo dia a gente aprende uma coisa nova, esbarra em uma barreira nova e descobre uma dívida nova. Nessa parte entro nem em detalhes. A primeira versão do jogo, a gente já pensou em lançar umas cinco vezes e não aconteceu. A gente tem a faculdade pra terminar, acontece muitos obstáculos que ocupam muito nosso tempo. Acreditamos que lá pra novembro, final do ano, ele vai estar lançado”.
Mas o que é Rock’n Blow? “É um jogo de arena para jogar todo mundo no mesmo ambiente. A ideia é jogar de quatro pessoas igual quando se jogava Bomberman: a festa acontecia ali. A graça está em competir, matar o coleguinha, essa é a diversão. Falta no mercado isso novamente, um jogo local que todo mundo brinca ali. Caem rochas do céu, é uma arena, e aí as pessoas tem que esmagar uns aos outros chutando elas e no caminho tem os poderzinhos, personagens diferentes, tem mecânicas da fase, essas coisas todas”, conta Luís.Se está difícil imaginar, pense em Bomberman, mas além de jogar localmente, também será possível jogar online.
Luís conta da experiência de levar o jogo para Brasília: “Apresentamos no centro de convenções ano passado em um evento de anime. Passou um cara atrás da gente e falou ‘olha o bomberman de pobre’, fiquei muito triste. Falta essa cultura dos caras, dos jogadores, de entender essa dificuldade do jogo independente”. Mas teve a parte boa: “no mesmo dia sentou uns cinco caras de 16 anos e ficaram quatro horas jogando. Eles não paravam. A gente tinha que pedir para eles revezarem com outras pessoas. Então valeu a pena demais”, relata Graciano.
Para lançar, eles pensam em PC e especialmente no Steam. Para tanto, eles querem fazer uma campanha de marketing e e uma de financiamento coletivo: “essa é a hora da gente testar. Vamos tentar tudo no Rock’n Blow que se for pra errar, a hora é agora”, conta Luís.
Já aquele primeiro projeto está engavetado: “na época a moda era de sobrevivência, hoje está saturado. Jogávamos sobrevivência e RPG pra caramba na época também e queríamos juntar as duas coisas, um RPG focado em mecânicas de horror e sobrevivência. Ficou um jogo bem original no final das contas, mas é de pretensões maiores e de maior complexidade. Hoje estamos em uma condição melhor de tocar um projeto assim. No momento ele está engavetado”, conta Daniel.
Porém, o outro projeto, apresentado no Inova Apps, envolveu demais toda a equipe e provavelmente será o próximo produto da empresa: “A ideia do jogo é muito boa. A temática específica era sobre combate à exploração sexual infantil. Então fizemos um jogo totalmente metafórico de uma menina que vive dentro do próprio mundo dela como fuga dessa realidade da exploração. Criamos um jogo de plataforma e ela vai passando de fases. As moedas dela enchem o medidor de esperança dela, se ela deixar ele zerar, ela sai dessa resistência e perde o jogo. Cada chefão é um trauma dela. Ela se vê no mundo dela que é medieval e ela se vê como uma princesa que precisa lutar para não deixar o seu reino se esfacelar. Um dos traumas dela é que ela perdeu o pai, então no reino dela ela lida com a morte do rei e ela com a mãe precisa ir pra outros reinos buscar ajuda”.
Se você curtiu a ideia dos caras, pode segui-los pelo Facebook e também apoiar a campanha no Steam Greenlight para que Rock’n Blow entre para o catálogo da loja.
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fonte:
mais goiás